Construções projetadas pelo arquiteto, algumas sem alvará ou certidão dos Bombeiros, estão em situação de risco
André de Souza, Elenilce Bottari, Ezequiel Fagundes e Silvia Amorim
RIO, SÃO PAULO, BRASÍLIA E BELO HORIZONTE – O arquiteto Oscar Niemeyer teria um desgosto profundo se visse o que sobrou do auditório Simón Bolívar após o incêndio no memorial da América Latina, dia 29. Esse projeto, desenvolvido com o amigo e educador Darcy Ribeiro, era o seu maior xodó. Mas ficaria ainda mais apreensivo se soubesse que muitas de suas obras pelo país sequer têm o certificado de aprovação do Corpo de Bombeiros e carecem de manutenção e equipamentos adequados de prevenção contra incêndios.
Levantamento feito pelo GLOBO em seis cidades revelou falhas na segurança de prédios e falta de cuidados. Construídos por Niemeyer na década de 40, a Igreja de São Francisco de Assis, a Casa do Baile e o Museu de Arte, obras do conjunto arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte, sofrem com o descaso. Além da ausência de alvará de funcionamento, a má conservação dos imóveis e a negligência com itens básicos de segurança expõem o conjunto a risco. Diretora do Centro de Restauração do Patrimônio Histórico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a professora Bethania Reis Veloso teme pelo pior.
— Estamos correndo o sério risco de perder o patrimônio, o que é muito grave — alertou.
A igrejinha da Pampulha conta apenas com três extintores de incêndio, com capacidade de quatro litros cada. Revestido de madeira, o teto tem infiltrações, perto dos painéis de Cândido Portinari. Por causa da umidade, cogumelos nasceram no teto. Vinculada à arquidiocese de BH, Nilza Barbosa do Vale, administradora do templo, adverte sobre os perigos:
— Quando chove mais forte, dentro da igreja vira uma cascata, que vai jorrando pela parede. Como a fiação está embutida na parede, tememos um curto-circuito.
Espaço subutilizado em SP
Construído para abrigar um cassino em 1943, o Museu de Arte adquiriu um acervo com cerca de 1.400 obras. Possui três hidrantes de água, mas apenas um com mangueira. A única disponível está no mezanino. A administração não forneceu o número exato de extintores, mas O GLOBO contou dez. A prefeitura de Belo Horizonte confirmou que a Casa do Baile e o Museu de Arte não possuem alvará de funcionamento. Informou que os dois locais passaram por revitalização este ano, e, por isso, os procedimentos para a obtenção dos alvarás estão em curso.
Em São Paulo, uma das obras mais famosas de Niemeyer, a OCA, no parque do Ibirapuera, completou 60 anos em agosto. Apesar de ser um ícone da arquitetura na capital paulista, o espaço é subutilizado por não atender a exigências básicas de segurança. Conta com apenas uma rota de fuga em caso de incêndio. Para funcionar como museu, projeto da prefeitura, é indispensável que tenha ao menos outra saída. Apesar dos seus 10 mil metros quadrados, o espaço só está autorizado a receber pequenos eventos, em geral, exposições para 700 pessoas, no máximo.
Desde a década de 90, arquitetos e engenheiros discutem soluções para ajustar a OCA aos padrões de segurança. A maior dificuldade é conciliar um projeto contra incêndio às restrições impostas pelos tombamentos municipal, estadual e federal:
— Estamos buscando uma solução que contemple as exigências dos órgãos de preservação de patrimônio e que atenda também às regras de segurança — afirmou o diretor do Museu da Cidade, responsável pela administração da OCA, Afonso Luz.
Uma das soluções estudadas é a construção de uma saída de emergência subterrânea — medida custosa e demorada porque seria preciso escavar sob o parque. Outra alternativa é adequar suas famosas escotilhas para funcionarem como saídas de emergência.
— O próprio Niemeyer, quando se fez a primeira reforma, na década de 1990, dizia que não projetou mais saídas de emergência porque as escotilhas poderiam servir como rotas de fuga, em caso de necessidade. É uma ideia, mas, da forma como estão, não atendem aos padrões do que consideramos seguro. Uma saída de emergência precisa funcionar para uma multidão — disse Luz.
No Rio, nenhum dos dez prédios pesquisados tinha o certificado de aprovação do Corpo de Bombeiros. Alguns administradores correm contra o tempo para legalizar a situação. Inaugurado em 2007 e fechado por quatro anos, o Teatro Popular Oscar Niemeyer, um dos mais belos projetos do arquiteto no Caminho Niemeyer, em Niterói, foi reaberto em outubro, mas ainda está passando por reformas para conseguir a certificação do Corpo de Bombeiros:
— Quando chegamos em janeiro, não havia nada. Contratamos uma consultoria particular para levantar as exigências, procuramos o escritório Oscar Niemeyer e estamos fazendo uma série de modificações, para darmos entrada no processo de certificação — afirmou a diretora Carla Tavares.
Entre as mudanças, o oferecimento de mais rotas de fuga e barras de proteção (guarda-corpo) na lateral do foyer superior. Todos os extintores e mangueiras de incêndio foram revisados. Além disso, o teatro conta com uma equipe de brigadistas, presente em todos os eventos. O espaço possui agora um circuito interno de segurança, com 32 câmeras que monitoram as áreas internas e externas 24 horas. Inaugurado em 2004, o Centro Cultural Oscar Niemeyer, na Praça do Pacificador em Caxias também abriga biblioteca e teatro, que nunca foram licenciados pelo Corpo de Bombeiros.
Em Brasília, os prédios de Niemeyer são a face mais conhecida da cidade, mas precisaram ser adaptados para minimizar riscos de incêndio. Na Esplanada, os prédios dos ministérios foram construídos sem escadas de incêndio, o que só foi corrigido nos anos 90. Uma das dificuldades para adaptar os prédios às normas de segurança é o tombamento — caso da Câmara dos Deputados, que informou que “algumas obras de segurança que valeriam para qualquer edifício comum não se aplicam aqui, como a colocação de escadas de emergência na parte externa dos edifícios”.
Algumas modificações na estrutura da Câmara, como a colocação de portas e paredes corta-fogo e a pressurização das escadas onde se dá a rota de fuga, foram concluídas em 1986. A Câmara informou que outras alterações deverão ser feitas até o fim de 2015.
O Senado criou um plano de prevenção de combate a incêndio e informou que está realizando obras de adequação, a serem concluídas em 2014. Há casos em que o problema não é a estrutura do prédio. No Congresso, um saída de emergência está trancada com grades e cadeado, no corredor que liga o Senado à Câmara.
O Palácio do Planalto também é tombado, o que não impediu que fosse construída uma saída de emergência na reforma concluída em 2010. Essa saída foi posta nos fundos do palácio.
A professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Rosaria Ono explica que, até a década de 70, o Brasil praticamente não tinha legislação sobre segurança contra incêndio:
— As regras começaram a surgir após o incêndio dos edifício Andraus e Joelma, no Centro de São Paulo. Por isso, é comum edificações antigas terem dificuldade para se ajustar às regras.
A situação é ainda mais complicada no caso de exemplares de arquitetura diferenciada como as de Niemeyer.
— A arquitetura foge do padrão e não se encaixa na regulamentação. Em locais com pé-direito muito alto, o sistema de detecção de fumaça e “sprinters” (chuveirinhos) no teto pode não funcionar satisfatoriamente, porque a fumaça demora para chegar até eles por causa da altura. É preciso ter soluções personalizadas.
Em BH, falta de alvará e infiltrações
Em Belo Horizonte, o conjunto arquitetônico da Pampulha, construído nos anos 1940, sofre com o descaso. No Museu de Arte, com cerca de 1.400 obras, há três hidrantes, mas apenas um conta com mangueira. Os outros dois (como o que fica atrás da porta vermelha, em destaque) não têm condições de uso. Na igrejinha da Pampulha, há infiltrações nas paredes, bem acima dos painéis de Portinari. No caso do museu, ainda não foi emitido o alvará de funcionamento.
Teatro sem certificação dos Bombeiros em Niterói
No Teatro Popular de Niterói, parte do Caminho Niemeyer, foi modificada a disposição das cadeiras, para oferecer mais rotas de fuga. O espaço também ganhou barras de proteção na lateral do foyer superior e um circuito interno de segurança, com 32 câmeras que monitoram as áreas internas e externas 24 horas. Mas o teatro ainda aguarda receber a certificação do Corpo de Bombeiros.
Na OCA, em São Paulo, falta saída de emergência
Com dez mil metros quadrados e localizada no Parque do Ibirapuera, a OCA completou 60 anos em agosto, mas, por não atender a exigências básicas de segurança, como uma segunda rota de fuga, só está autorizada a receber pequenos eventos, com um máximo de 700 pessoas. Uma das soluções em estudo é adaptar as escotilhas nas paredes e construir rampas, para que elas sirvam como uma nova saída de emergência. A prefeitura pretende criar um museu no local.
Em Brasília, projetos foram adaptados, mas há falhas
Espalhadas pela Capital Federal, as construções de Niemeyer precisaram passar por várias adaptações para minimizar os riscos, em caso de fogo, e facilitar a fuga com rapidez. Os prédios dos ministérios, por exemplo, ganharam escadas de incêndio. Mas o problema, às vezes, não é de estrutura. No Congresso, por exemplo, há uma saída de emergência trancada com grades e cadeado no corredor que liga o Senado à Câmara.