Um túnel de 2,5 mil metros para acabar com inundações

Simone Candida

Quem caminhava pela Quinta da Boa Vista ou pela Avenida do Exército, em São Cristóvão, por volta das 12h da última quarta-feira, não imaginava o que acontecia cerca de dez metros abaixo de seus pés: naquele momento, pelo menos 30 homens pilotavam máquinas e manuseavam equipamentos, finalizando os últimos preparativos de mais uma sequência de explosões para a abertura do túnel que passará por baixo dos bairros do Maracanã, da Mangueira, de São Cristóvão e do Caju. Medindo 2.500 metros, o túnel será maior, por exemplo, que o da Covanca, na Linha Amarela, que tem 2.187 metros, e teria capacidade para duas faixas de rolamento, caso estivesse sendo feito para receber veículos. Mas quando for concluído, em 2015, ali por dentro só vai passar água.

Segundo a prefeitura, trata-se do maior túnel de drenagem da cidade e o maior em construção no país. Vai captar a água do Rio Joana, que será desviada diretamente para a Baía de Guanabara. A obra faz parte do conjunto de intervenções para tentar solucionar o grave — e histórico — problema de inundações na área da Praça da Bandeira.

A escavação vai desviar um terço da vazão de água que chega atualmente ao Canal do Mangue pelos rios Comprido, Joana, Maracanã, Papa-Couve e Trapicheiros, reduzindo as enchentes na região do Maracanã e da Tijuca. Para comportar o volume das enxurradas, o túnel foi dimensionado para deixar fluir cem metros cúbicos por segundo. O valor total das obras de controle de enchentes na Bacia do Canal do Mangue é de R$ 343,4 milhões, e só o túnel e as galerias custarão R$ 182,9 milhões, verba da prefeitura e do governo federal.

— Ele está dentro do programa de obras de combate às enchentes na área da Grande Tijuca, que inclui, ainda, a construção de reservatórios. Estamos fazendo um desvio dessas águas que antes iam em direção à Praça da Bandeira. A partir desse novo canal, com esse túnel e as galerias que estamos construindo, a água será captada na altura da Rua Professor Manuel de Abreu, seguindo direto para a Baía de Guanabara, sem passar pela região mais baixa. Ano passado, em dezembro, o reservatório da Praça da Bandeira ficou pronto. A fase do Rio Joana está prevista para ficar pronta em meados de 2015. E tudo será concluído até 2016. São 3.400 metros de desvios com túneis e galerias, sendo 2.500 só de túnel — explica o presidente da Fundação Rio Água, João Luiz Reis.

Obra mobiliza 60 operários

Desde que as obras do túnel de drenagem começaram, em agosto de 2012, a rotina debaixo da terra tem sido pesada. Sessenta operários, divididos em dois turnos, seis vezes por semana, vêm trabalhando nas escavações, que já atingiram a marca de um quilômetro. Logo no começo do expediente, a turma desce por um dos poços de acesso (há cinco) e passa a maior parte da jornada num ambiente úmido e barulhento, sem ver a luz do sol. Os trabalhadores sobem apenas na hora do almoço, para um intervalo. Como as perfurações chegam ao lençol freático, em muitos pontos há pequenas vazamentos de água, e o chão costuma ficar enlameado e escorregadio. Nada que o uso de botas especiais não resolva. Para manter o clima mais ameno dentro dos buracos, há um sistema de ventilação que capta o ar fresco da superfície. Ao longo de todo o percurso da perfuração, há instalações elétricas e pontos de luz e de água.

Para o supervisor de obras José Mendes, de 74 anos, que há 53 trabalha na construção de túneis, o cenário que remete ao de uma caverna é justamente o que mais o fascina nas escavações.

— Odeio trabalhar no sol, e aqui embaixo a gente não sofre com isso. Quando está calor lá em cima, aqui está fresco e, quando está frio lá em cima, aqui está quentinho — diz o pernambucano, que começou na profissão como servente, na obra de construção do Túnel Rebouças, na década de 60, e já trabalhou em várias dezenas de perfurações no Brasil e no exterior.

Segundo os engenheiros que coordenam a obra, a técnica de construção é semelhante à usada na edificação de um túnel viário. Escavam-se buracos no solo (os chamados poços de acesso), por onde entram os operários e o equipamento necessários à escavação debaixo da terra. E os desafios também são os mesmos: na rota das perfurações, as equipes precisam estar preparadas para escavar em trechos com rocha, em áreas com terra e nas chamadas zonas de transição — em que há tanto rocha como terra.

Escavação de túnel já atingiu 614 metros

Ao todo, o desvio do Rio Joana já está com 28% das obras executadas. E já foram feitos 614 metros de túnel. Na área situada junto ao poço A, próximo à Rua do Exército e à Quinta da Boa Vista, por exemplo, a escavação já atingiu 542 metros.

— O início da escavação foi em solo, com o uso de cambota metálica (estrutura metálica em arco) para escavação mecânica no perímetro superior e imediata aplicação de concreto projetado. Andando uns 150 metros, o solo ficou bem rígido, e não conseguimos mais escavar só mecanicamente. Fizemos, então, uma escavação mista, também com uso de explosivos — explica o engenheiro Heraldo Xavier, da construtora Mendes Junior, responsável pela execução da obra.

 

Origem: O Globo, 24/05/2014

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