Rio em transformação

Washington Fajardo

A solução não é mais fugir da cidade que não deu certo, mas recuperar a cidade que existe. E isso inclui as favelas

Façamos um passeio pelos planos urbanísticos que tentaram implantar no Rio ao longo dos últimos 50 anos.

1965 — O Plano Doxiadis propõe a integração da cidade através do sistema viário chamado Plano Policromático para permitir melhor crescimento urbano. De seis linhas propostas, foram realizadas apenas três em 30 anos: Lilás, Vermelha e Amarela.

1969 — O Plano Lucio Costa para a Barra da Tijuca era a reposta urbana para “desconcentração da cidade”, alternativa aos adensados bairros de Copacabana, Ipanema e Leblon e mesmo à saturada Tijuca.

1977 — O Plano Urbanístico Básico cria a organização administrativa e urbana da cidade com as Áreas de Planejamento.

1984 — Com o Corredor Cultural e o Sagas (Saúde, Gamboa, Santo Cristo) surgem as primeiras experiências de proteção de grandes conjuntos urbanos. Um embrião das futuras Áreas de Proteção do Ambiente Cultural (Apacs).

Início dos anos 90 — Projetos como Rio Cidade e Favela-Bairro mostram que não se trata mais de desenhar o todo, mas a parte.

1995 — O primeiro Plano Estratégico da Cidade é feito, com consultoria catalã, e propõe a busca pelos Jogos Olímpicos e pelo Rio como cidade global.

2004 — Com o segundo Plano Estratégico (“As cidades da cidade”) surgem a Cidade do Samba, no Porto, onde era planejado um bairro residencial; a Cidade das Crianças, em Santa Cruz; a Cidade da Música (atual das Artes), na Barra.

As iniciativas citadas tinham por objetivo melhorar a cidade. Ora com inovações: integração, preservação, organização. Ora com conceitos que hoje sabemos equivocados: espraiamento urbano, prioridade ao transporte individual. Ora sem sucesso: não se impediu a degradação de áreas importantes da cidade, como a Região Portuária. Mas cada planejamento foi um passo. Às vezes, interrompido, fragmentado. A meta de sediar as Olimpíadas foi finalmente alcançada e, junto com ela, a chance de promover mudanças estruturais desejadas há 50 anos.

A revitalização do Porto e do Centro, com a derrubada da Perimetral, permite uma nova fronteira de crescimento, mas agora com adensamento. Um território na borda da Baía de Guanabara que atrairá novos moradores e diminuirá os deslocamentos. Tudo com o protagonismo da memória e do patrimônio cultural: o Cais e os Jardins do Valongo redescobertos, e o surgimento de novos ícones, como o Museu de Arte do Rio.

Os Jogos ajudarão o Rio a recuperar décadas de atraso em mobilidade. O Plano Doxiadis, enfim, sai do papel, mas com transporte coletivo: até 2016, 150 quilômetros de BRTs elevarão de 18% para 63% o índice de cariocas com acesso a transporte de alta capacidade. Investimentos que não se dão nas áreas mais ricas, mas cruzam e revigoram o adensado subúrbio carioca ou as áreas pobres da Zona Oeste.

Quando se investe na solução das enchentes na Praça da Bandeira, recupera-se a qualidade de vida em bairros próximos ao Centro, como Tijuca e Vila Isabel. Quando se constrói o Parque Madureira, quando se reabre o Imperator, no Méier, ou quando se criam Arenas Cariocas, na Pavuna e na Penha, levam-se opções de lazer e cultura para áreas consolidadas e degradadas durante anos.

A solução não é mais fugir da cidade que não deu certo, mas recuperar a cidade que existe. E isso inclui as favelas: com o Morar Carioca, a meta é urbanizar todas as comunidades até 2020, pacificadas ou não. Serviços e obras de infraestrutura que, até 2016, terão somado R$ 5 bi e beneficiado 700 mil moradores. Utilizamos também os recursos do Minha Casa Minha Vida, mas inovando: o modelo é o Bairro Carioca, em Triagem, erguido numa área abandonada da Light, com metrô e trem na porta e unidades de saúde e educação.

Depois de ter planejado um futuro melhor com iniciativas que nunca viraram realidade, não estamos apenas planejando. Estamos fazendo a transformação: um Rio mais compacto, menos desigual, com melhor mobilidade. Um Rio tão sonhado começa a acontecer. Avancemos.

Washington Fajardo é arquiteto e urbanista.

Origem: O Globo, 15/10/2014

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