Mercado de revitalização de parques e jardins está em alta

Um promissor passeio pelos parques

Jacilio Saraiva

A onça suçuarana e o tamanduá-mirim são mais do que bem-vindos nos parques nacionais, mas as unidades de conservação natural querem atrair uma nova “espécie” para seus domínios: o investidor privado. Em um encontro raro, gestores de complexos públicos como o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, e a Rota Lund, circuito de trilhas e grutas de Minas Gerais, dividiram, na semana passada, em São Paulo, a mesma mesa de debates com representantes do mundo financeiro.

“Estamos estudando novas oportunidades de negócios”, diz Patrice Etlin, sócio da Advent International, durante o seminário Parques do Brasil, promovido pelo Instituto Semeia e Arq.Futuro. A Advent é uma gestora americana de fundos de “private equity” com US$ 32 bilhões em ativos sob gestão. Já investiu mais de R$ 130 milhões em parques no Brasil e sinaliza que o apetite pelo segmento não acabou.

O interesse dos investidores não é fisgado somente pelos gorjeios dos pássaros das matas tupiniquins. De acordo com dados do Semeia, organização não governamental que atua na transformação positiva de áreas protegidas, o Brasil tem 1,8 mil unidades de conservação (UCs) federais, estaduais e municipais espalhadas em 150 milhões de hectares – ou três vezes o território da França. Desse total, 22% são parques. “É preciso repensar os modelos de gestão e fazer desses locais fontes de riqueza para o país”, diz Ana Luisa da Riva, diretora-executiva do Semeia.

Segundo cálculos do instituto, se o Brasil investir em projetos de infraestrutura nas zonas protegidas, o potencial de geração de renda ligada ao turismo do setor seria de R$ 53 bilhões em dez anos – mesmo valor do PIB do Mato Grosso do Sul. Mas, para atingir essa cifra, as áreas verdes vão precisar driblar problemas de financiamento e gestão.

As dificuldades de fluxo de caixa são as que mais atingem os parques, que sofrem da falta de recursos públicos. Não há registros sistemáticos sobre a verba aplicada nas UCs, mas o estudo “Unidades de Conservação do Brasil”, lançado neste mês pelo Semeia, indica que R$ 331,6 milhões foram destinados em 2008 (último dado disponível), às UCs federais – não há estimativa para as similares estaduais e municipais. Dessa forma, os gastos por hectare em áreas protegidas no Brasil seriam 35 vezes menores do que os aportes conhecidos nos EUA ou 15 vezes mais magros que os recursos usados na África do Sul.

Na esfera dos recursos humanos, o Brasil opera com um funcionário para cada 18,6 mil hectares conservados, contra um profissional para 2,1 mil hectares nos parques americanos. “Das 28 guaritas de segurança que tínhamos, hoje são apenas nove”, diz Rute Andrade, pesquisadora da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), que gerencia o Parque Nacional da Serra da Capivara.

O complexo de 129,1 mil hectares no Piauí, a 530km de Teresina, abriga mais de 1,3 mil sítios arqueológicos, a maioria com pinturas rupestres. Em 1991, foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Unesco. Mesmo assim, as obras do aeroporto mais próximo, no município de São Raimundo Nonato, que poderia facilitar o acesso de turistas, se arrastam há mais de dez anos. Sabe-se que a presidente da Fumdham, a arqueóloga paulista Niède Guidon, costuma tirar dinheiro do próprio bolso para acelerar a finalização do terminal e honrar as contas do parque federal.

Em agosto, a União autorizou a criação de modelos de parcerias ambientais público-privadas (PPPs) com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A ideia é estruturar políticas que ampliem alianças com o setor privado e potencializem a exploração dos ativos das UCs federais. As PPPs já ocorrem em unidades em Fernando de Noronha (PE), Cataratas do Iguaçu (PR), Tijuca e Serra dos Órgãos (RJ).

“Não é razoável oferecer para os investidores parques sem um plano de manejo”, diz Roberto Vizentin, presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente que gerencia as UCs do país. O plano de manejo é um documento que elenca as normas de uso dos terrenos. De acordo com o Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC), 84% dos locais criados há mais de cinco anos ainda não têm um plano.

Nas próximas semanas, o setor ganha um novo edital de PPP. A Rota das Grutas Peter Lund, em Minas Gerais, que reúne mais de 50 cavernas, vai oferecer uma concessão administrativa por 25 anos, com investimento privado avaliado em R$ 38 milhões. “O parceiro privado será responsável pela exploração comercial de uma área de 2,4 mil hectares”, diz Cecília de Vilhena, da secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais. “O Estado entra com investimentos de até R$ 14 milhões, ao ano.”

Para Patrice Etlin, da Advent International, a isca para atrair novos investimentos será o modelo de negócios oferecido pelos complexos de conservação. “O que está sendo feito na Rota Lund pode servir de base para outras PPPs de parques estaduais”, afirma o investidor. Etlin diz que vai analisar a proposta da operação mineira.

A Advent já aplicou mais de R$ 130 milhões em três ativos do setor, por meio de investimentos na Cataratas do Iguaçu S.A., concessionária que presta serviços em parques brasileiros, como Iguaçu e Fernando de Noronha. Também tem participação no consórcio Paineiras-Corcovado, no parque da Tijuca. “Esses locais recebem 5 milhões de visitantes ao ano”, diz Etlin. A gestora é dona de fatias do Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP), na varejista de moda Dudalina e na International Meal Company (IMC), dos restaurantes Viena. Na área de meio ambiente e turismo, fora do Brasil, investiu na organização Parques Reunidos, com sede na Espanha.

Para Pedro Passos, presidente do conselho do Semeia e sócio-fundador da fabricante de cosméticos Natura, os parques podem agir como eixos de desenvolvimento econômico nas regiões do entorno. Estudos mostram que municípios dotados de florestas ou monumentos naturais faturam 20% a mais no setor turístico do que cidades sem unidades de conservação. “A ampliação do investimento privado também vai ajudar na manutenção de mais parques”, diz.

Programa no DF prevê construção com verba de compensação ambiental

Jacilio Saraiva

Criar novos lugares de convivência e revitalizar parques e praças pode ser rápido e barato. Quem garante é Fred Kent, fundador e presidente da ONG americana Project for Public Space, criada em 1975 para ajudar comunidades a desenvolver e sustentar espaços públicos. “Já implantamos mais de 300 projetos em 43 países”, diz Kent, em sua primeira visita a São Paulo, durante o seminário Parques do Brasil.

A lista de ações da Project for Public Space inclui a criação da área de pedestres na Times Square e a revitalização do Bryant Park, em Nova York. A verba para a mudança dos terrenos vem de fundos privados, empresas ou de comunidades vizinhas. Dependendo do local, a transformação pode durar de um mês a dois anos. “É muito difícil criar um espaço que não atraia ninguém”, diz Kent, que estudou antropologia com Margaret Mead (1901-1978) e trabalhou com William H. Whyte (1917-1999), um dos pensadores urbanos mais admirados dos Estados Unidos.

Uma das estratégias da organização que ele dirige é a aplicação de um método batizado de “a força dos dez”. Consiste em criar dez atrações diferentes, em um mesmo local, para atrair fluxos de pessoas. As ferramentas mais comuns são livrarias ao ar livre, quiosques para a venda de comida e serviços como internet grátis.

Kent sugere soluções ainda mais baratas, como um forno para pães, instalado no parque Dufferin Grove, em Toronto, no Canadá, que reuniu famílias e encerrou a fase de abandono do local. “Vizinhos e autoridades municipais sempre falam que esses projetos não dão certo, mas é a comunidade que terá o poder de decisão”, diz o especialista, há mais de 35 anos no setor.

Apesar de ser um entusiasta de ocupações de lazer em áreas públicas, como as “praias” de areia às margens do rio Sena, durante o verão, em Paris, Kent não defende tudo o que vê. Não gosta da High Line, linha férrea suspensa transformada em parque, e do Lincoln Center, ambos em Nova York. “O High Line tem os bancos mais desconfortáveis do mundo e não faz conexão com o comércio das ruas que ficam abaixo”, afirma. “Já o Lincoln Center abriga um restaurante feito por um arquiteto famoso, mas com cardápio caro e apenas quatro mesas ao ar livre. É o retrato de um lugar que não serve para reunir gente.”

Em São Paulo, foi criado no início do mês o Conselho Brasileiro de Lideranças em Placemaking (CBLP), que pretende ser um fórum de iniciativas para a humanização de espaços públicos. O “placemaking”, usado como pilar do trabalho da Project for Public Space, bebe na fonte da construção e gestão de áreas que privilegiem a convivência social.

Segundo o presidente do CBLP, Ricardo Birmann, a ação brasileira envolve representantes da iniciativa privada, órgãos públicos, do terceiro setor e meio acadêmico. Birmann é ligado à Fundação Aron Birmann, que administra o Parque Burle Marx, na zona Sul de São Paulo (SP), e preside a Urbanizadora Paranoazinho (UPSA), dona da área residencial conhecida como Fazenda Paranoazinho, próxima a Sobradinho (DF).

Uma das ideias do empresário, em Brasília, é a criação de um manual para a gestão compartilhada de parques entre o governo e atores privados. “O plano é oferecer uma programação cultural e de lazer para os usuários, além de iniciativas que gerem receita para a manutenção dos locais, como restaurantes e quiosques”, diz Birmann.

Outra frente de trabalho encampada por Birmann é a construção de parques com recursos obtidos da compensação ambiental, a partir de empreendimentos imobiliários. “O nosso setor sempre sofreu ‘bullying’ e é visto como o vilão que destrói áreas públicas. Queremos mudar isso.”

No Distrito Federal, o programa Brasília, Cidade Parque, que prevê a compensação ambiental e florestal por construções que causam impacto ao meio ambiente, observa um aumento do valor da cobrança do benefício, de R$ 148 mil, em 2010, para R$ 13 milhões, até agora, segundo Nilton Reis, presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram-DF). Pelo menos 12 parques já foram entregues no modelo, como o Jequitibás, em Sobradinho, com 11,2 hectares e um investimento de R$ 600 mil. Há outros 24 termos de compromisso formalizados, sendo 19 pagos pela iniciativa privada.

Áreas do Rodoanel, em SP, levantam dilemas

Jacilio Saraiva

São Paulo e Rio de Janeiro vão ganhar novos parques e ampliações de espaços recém-criados. Em São Paulo, a construção do trecho Sul da Rodoanel previu a formação de um cinturão de proteção da Mata Atlântica, doado pela concessionária Dersa à prefeitura. Com isso, foram criados quatro parques – Itaim, Bororé, Varginha e Jaceguava – em uma área total de 1,4 mil hectares.

“Vamos criar um fundo municipal de parques, para a compra de terras”, diz Fernando de Mello Franco, secretário municipal de Desenvolvimento Urbano.

O novo Plano Diretor da cidade, aprovado em julho, inclui a criação do fundo para construir parques em áreas de interesse público, com recursos privados e do governo. Uma das ideias é que para cada real oferecido por cidadãos ou empresas, a prefeitura contribua com o mesmo valor. Também serão ampliadas as zonas de proteção ambiental (Zepams) para a construção de 164 novos parques públicos, que se juntarão aos 105 existentes. Mas por que inaugurar mais lotes se as unidades em funcionamento não têm dinheiro para se manter?

Segundo Franco, a luta pela terra também dá as caras no setor de parques. “Se o poder público não demarca logo uma área para preservação, pode perdê-la para outros fins.” Ao mesmo tempo, o investimento não acaba quando o terreno é delimitado e aberto à visitação: a capacidade de gestão do espaço tem de ser tão boa quanto as paisagens do lugar. “Os parques do Rodoanel estão fechados desde maio, por falta de vigilantes e da morosidade para contratar pessoal”, diz Leandro Caetano, diretor de conservação da secretaria do Verde e Meio Ambiente do município.

No Rio de Janeiro, o Parque Madureira, inaugurado há dois anos em um terreno de 103 mil m2 no bairro de mesmo nome, vai ganhar expansão de 3km de área linear. “É a terceira maior zona verde carioca, atrás do Aterro do Flamengo e da Quinta da Boa Vista”, diz Ana Luiza Arrigoni, da secretaria municipal de Conservação.

Em 2012, ano de abertura do Madureira, que recebeu investimentos de R$ 100 milhões, os números do Sindicato da Habitação (Secovi) mostram que o valor do m2 de venda de imóveis usados subiu 30,6% na região, dobro do salto observado no Leblon (15,3%).

Para Lydia Ragoonanan, gestora da organização inglesa Rethinking Parks, responsável por cuidar de bosques não mantidos pela coroa britânica, os espaços precisam explorar novas atividades para sobreviver. As associações de amigos dos parques do país levantam, ao ano, 30 milhões de libras. “Um dos projetos mais recentes introduz fazendas de abelhas nos parques. Elas ajudarão a pagar parte das contas das áreas de lazer, com a produção de mel.”

Origem: Valor Econômico, 16/10/2014

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