ENTREVISTA: Engenheiro Teodomiro Diniz Camargos

RETROFIT LEVADO AO EXTREMO

Presença no 6º Simpósio Brasileiro de Construção Sustentável, realizado em setembro de 2013, em São Paulo, o engenheiro civil fala sobre como vem transformando edifícios comerciais, abandonados durante anos no centro de Belo Horizonte, em prédios residenciais que despertam a atenção do mercado.

Prédios antigos que um dia já foram imóveis comerciais, sedes de empresas e até mesmo hotéis na área central de Belo Horizonte não escapam aos olhos do engenheiro Teodomiro Diniz Camargos.

E ele vem realizando um sonho: transformar essas edificações, abandonadas durante anos, em unidades habitacionais. Tudo começou em 2004 com o edifício Chiquito Lopes, antiga sede da empresa Vale do Rio Doce, que após ficar oito anos sem uso passou por retrofit que o transformou em residencial.

A ação desenvolvida pelo engenheiro e sócio gerente da Construtora Diniz Camargos estimulou a recuperação de outros prédios, provocando a valorização de todo um quarteirão. E, mais que isso, gerou estudos e a aprovação de um plano diretor para o hipercentro de Belo Horizonte, com legislação própria para transformação de edifícios comerciais em residenciais e do uso cultural. Os desafios para esse tipo de retrofit foram e continuam sendo muitos, conta Camargos, que também ocupa o cargo de presidente da Câmara da Indústria da Construção (CIC) da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). “O estado da arte dos retrofits é incipiente, sem normas e políticas de qualquer natureza e com muita dificuldade técnica”, diz nesta entrevista a Cida Paiva.

POR QUE SUA CONSTRUTORA DECIDIU INVESTIR EM PROJETOS DE RETROFIT E TRANSFORMAÇÃO DE ANTIGOS EDIFÍCIOS COMERCIAIS EM RESIDENCIAIS NO CENTRO DE BELO HORIZONTE?

Basicamente, pela percepção da oportunidade que se mostrava, após várias políticas de melhoria na área central ferem sido adotadas, em especial no que se refere à questão da segurança, e ainda pela existência de prédios comerciais obsoletos e vazios. A realização na metade da década de 2000 de um conjunto de ações previstas no pLano diretor da cidade, aprovado em 1996, foi determinante para a renovação de prédios de algumas ruas do centro. Além disso, a área central de Belo Horizonte oferece uma boa quantidade de serviços, comércios, lazer e ótima mobilidade para todas as regiões da cidade.

ATÉ AGORA, QUANTOS EDIFÍCIOS FAZEM PARTE DESSE PROJETO E QUAIS SÃO ELES?

Investimos até agora em três projetos, sendo o primeiro o edifício Chiquito Lopes, antiga sede da empresa Vale do Rio Doce, que ficou vazio por cerca de oito anos. O segundo é o edifício Tupis, mais conHecido como Balança Mas Não Cai, prédio comercial, que ficou vazio por mais de 20 anos e em péssimo estado de conservação. E agora, já em fase de execução, o edifício que era conjuntamente sede da Seguradora Minas Brasil e o antigo e tradicional Hotel Excelsior, que se encontrava na sua parte hoteleira desativado há mais de 15 anos.

EM QUAIS ÁREAS DE BH ELES ESTÃO LOCALIZADOS?

Fazem parte do perímetro chamado de hipercentro de Belo Horizonte, onde a prefeitura aprovou um plano diretor e uma legislação própria para a transformação de edifícios comerciais em residenciais e de uso cultural. O edifício Chiquito Lopes está localizado à rua São Paulo, 354 quase esquina com rua dos Caetés, uma dos vias requalificadas na região central. O edifício Tupis fica na esquina da avenida Amazonas com a rua Tupis, área de intenso movimento e nas proximidades do Mercado Central. E o Minas Brasil/Excetsior situa-se na rua dos Caetés, 745, entre as avenidas Afonso Pena e Paraná, bem em frente da rodoviária.

QUAIS FORAM OS RESULTADOS DO RETROFIT DO EDIFíCIO CHIQUITO LOPES, O QUE FOI PRIMEIRO A SER EXECUTADO?

O projeto de requafificação desse prédio iniciou-se no ano de 2004. Os resultados foram muitos. Primeiro, do ponto de vista da cidade, a recuperação e a nova utilização do prédio, que estava fechado há vários anos, estimularam a requafificação de seus vizinhos, provocando uma valorização de todo o quarteirão. Além disso, as dificuldades para aprovar o novo uso perante às leis municipais conduziram a estudos e à implantação de uma nova legislação para o hipercentro, que facilitou os trabalhos seguintes. Do ponto de vista dos resultados econômicos, apesar das muitas dificuldades enfrentadas, gerou ganhos satisfatórios, para a empresa e para os compradores, que tiveram uma grande valorização no período posterior à entrega.

A ARQUITETURA E A ESTRUTURA DESSES EDIFÍCIDS TEM REPRESENTADO DESAFIOS TÉCNICOS, DEVIDO À MUDANCA DE USO?

Sim. em função de vários fatores; o uso original comercial e de serviço, que exigia taxas de ventilação e iluminação menores; a maior permissividade das legislações do passado quanto a diversos parâmetros, inclusive de segurança e acessibilidade; e, ainda, o estado da arte dos projetos estruturais e da tecnologia do aço e de concreto.

QUAIS OS MAIORES DESAFIOS?

De forma geral, nos prédios da área central a arquitetura, mesmo com a flexibilização obtida na neva legislação, oferece dificuldades, pela deficiência das aberturas em prédios comerciais, comparativamente com as exigências dos residenciais, e muitas vezes pela inexistência de afastamentos Laterais e pela prática de aberturas para fossos internes. Isso dificulta a adoção de novo Layout, produzindo unidades com áreas incompatíveis com a demanda do mercado e impondo limitações ao atendimento das normas mínimas de iluminação e ventilação. E, ainda, a necessidade de grandes espaços de circulação, gerando maior custo e desperdício de áreas. As escadas em leque ou utilizando o hall dos elevadores e as dimensões reduzidas das caixas de elevadores dificuLtam o atendimento às normas de segurança e de acessibilidade.

E DO PONTO DE VISTA ESTRUTURAL?

Do ponto de vista da estrutura, os obstáculos se iniciam na inexistência da memória de cálculo e dos projetos detalhados e continuam no fato de as estruturas antigas terem um excesso de pilares e vigas e dimensões avantajadas, comparativamente com as modernas. Isso provoca outra vez dificuLdades de Layout adequado ao mercado e da execução das instalações através de shafts horizontais.

DE QUE MANEIRA ESSES PROBLEMAS VÊM SENDO SOLUCIONADOS?

A solução veio, no primeiro momento, através da discussão com o poder público, fazendo valer a tese do direito adquirido, em que prevaleceria o direito de adequação dos prédios de acordo com os parâmetros vigentes na época da aprovação do mesmo, no que tangia às exigências arquitetônicas. No segundo momento, foi feita uma legislação específica para a requalificação de prédios na área central. Do ponto de vista da segurança, a solução partiu da premissa de que o novo uso residencial e a arquitetura mais compartimentada significavam menor grau de risco. E ainda se produzindo uma modernização e melhoria das condições existentes dentro de um patamar viável, mas sem atingir em geral o que a legislação exige hoje para os novos prédios.

COM RELAÇÃO À ENVOLTÓRIA DOS EDIFTCIOS, QUAL A SOLUÇÃO APLICADA PARA ATENDER ÀS EXIGÊNCIAS DA NORMA DE DESEMPENHO NBR 15.575?

Isso é um problema, pois a área central de forma geral é mais ruidosa, e a disponibilidade de esquadrias adequadas e com preço suportável é inexistente no mercado. Estamos no momento desenvolvendo pesquisas e protótipos na busca de um produto afinado com essas demandas.

QUAIS OS DESAFIOS POLÍTICOS E DE LEGISLAÇÃO ENCONTRADOS PAPA A IMPLANTAÇÃO DE SEUS PROJETOS?

Inicialmente foi a inexistência de legislação específica para a transformação e mudanças de uso de cunho municipal. Mas há também o desconhecimento e a lentidão burocrática dos agentes públicos para a aprovação dos projetos; a burocracia e o desconhecimento inicial dos cartórios, diante do processo de incorporação cio um edifício já existente; o desconhecimento cem alguns casos o desinteresse no financiamento da produção e na avaliação para a venda das unidades residenciais feitas sob esse regime. Outra questão são as dificuldades internas do edifício, oriundas da convenção de condomínio, na qual se exige a totalidade dos votos para determinadas alterações, como o uso e a modificação da fachada, e a dificuldade de aprovação cio uma nova convenção de condomínio, que necessita do voto favorável de todos os coproprietários.

E OS DESAFIOS ECONÔMICOS?

Temos as dificuldades geradas’no âmbito da burocracia, a não padronização arquitetônica em função da estrutura e da arquitetura originais, os empecilhos á logística em áreas centrais, a inexistência de um produto no mercado de financiamento melhor estruturado para as condições do retrofit, em que o investimento inicial é mais elevado por causa da compra não de um lote, mas de um “casco” de maior valor. Todos esses fatores dificultam o processo construtivo, gerando maior prazo e maior custo financeiro, reduzindo a viabilidade econômica.

POR QUE ESSE MODELO DE RETROFIT ESTÁ DANDO CERTO EM BELO HORIZONTE?

Primeiramente, pelas características do centro da cidade, com boa oferta de serviços, comércio, lazer, mobilidade e que sempre teve uma taxa de ocuparão de moradias razoável, contribuindo para a vitalidade da região. Em segundo, pelas melhorias urbanas promovidas pelo poder público na requalificação de vias, praças, promoção da melhor ambiência com a retirada dos camelôs das calçadas, do transporte clandestino, colocação de câmeras de vigilância, ampliação do policiamento, resultando em grande avanço na segurança. E ainda, no plano do mercado, pela existência de prédios vazios comerciais e obsoletos para o uso original, mas viáveis para o programa residencial.

COMO TEM SIDO A ACEITAÇÃO DO MERCADO COM RELAÇÃO À VENDA DOS APARTAMENTOS?

Inicialmente, por desconhecimento do resultado final, o mercado teve dificuldades de aceitar o produto, em sua fase de produção. No entanto, quando a obra fica pronta, a aceitação é muito boa.

O SENHOR TEM PLANOS DE ENTRAR NO MERCADO DE SÃO PAULO COM ESSE MODELO DE RETROFIT?

Sim. Já analisamos diversos edifícios, mas até o momento não conseguimos consolidar nenhum.

Origem: Revista Finestra, Edição 283, Novembro/Dezembro 2013

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