Economia Verde – Empurrando com a barriga

AGOSTINHO VIEIRA

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada em 2010, depois de 20 anos de discussões, estabelece que até o dia 2 de agosto, 20 dias após a final da Copa do Mundo, todos os lixões a céu aberto, vazadouros e afins deverão ser desativados. Portanto, os otimistas de plantão já podem começar a contagem regressiva: faltam 164 dias para o Brasil se livrar de uma das suas maiores chagas. Sério?

Infelizmente, não é assim que a banda toca. Se alguém estiver pensando em fazer um boião, sugiro que aposte em alguma coisa entre sete e dez mil dias para que os lixões desapareçam de verdade. Depois de 2030 e antes de 2040, dependendo da fé. Pessimismo? Vamos ver o copo meio cheio. Em 1989, 99,2% das áreas que recebiam resíduos eram lixões. Em 2000, esse número caiu para 72,3% e em 2008, último dado disponível, chegou a 50,8%.

Ou seja, a tendência é favorável. Os números mostram que mais cedo ou mais tarde as coisas acontecem. O problema é o “mais tarde’: essa sina do brasileiro. Ninguém quer acabar com os lixões porque o nome é feio. Mas porque estão errados, são absurdos. São focos importantes de doenças, de contaminação dos rios, de emissões de gases de efeito estufa e de trabalhos degradantes. Argumentos que deveriam de terminar a urgência do tema. Mas não é assim. Hoje, ainda temos quase três mil lixões operando no país. Na Região Nordeste, 57%. Só a Bahia tem 360.

Alguém pode argumentar que entre 2010 e 2014 não houve tempo suficiente para que os prefeitos se organizassem, fizessem projetos, buscassem recursos e instalassem aterros sanitários. Pode ser. O processo não é simples. Precisa encontrar urna área grande e disponível, distante dos rios e conseguir licença ambiental. Além de convencer a comunidade. Existem três construções que todos consideram superimportantes, mas que ninguém quer ter na vizinhança: de legacia de polícia, Instituto Médico Legal e aterro sanitário. Muitos projetos acabam na justiça.

Só que não é este o caso. Seria um alento ouvir os prefeitos dizerem, tal qual um operador de callcenter: estamos desativando os lixões, estamos ultimando os projetos, estamos negociando com a comunidade. Na verdade, a frase correta é “estamos tentando ganhar tempo’: Ou, estamos empurrando com a barriga’: I)es de o ano passado a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) negocia uma prorrogação do prazo para a destinação correta do lixo. O sonho de consumo seria ter datas variáveis. Sob medida para a realidade de cada município. Algo do tipo: “devo não nego pago quando puder’.

Em outubro, durante a 4 Conferência Nacional de Meio Ambiente, 1.300 delegados de todo o país recomendaram ao Congresso e ao governo que não alterassem os prazos. Mas o lobby dos prefeitos continua. O prefeito de Porto Alegre, José Fortunatti (PDT), atual líder da categoria, argumenta que será impossível cumprir a lei. Alega falta de tempo, de recursos, de gente qualificada. Meias verdades. A Lei 9605, assinada em 1998, pelo presidente Fernando Henrique, já classificava a disposição inadequada do lixo como crime ambiental. De lá pra cá já se passaram 16 anos. Tempo mais do que suficiente para qualificar o pessoal e buscar recursos.

Se a data de 2 de agosto não for mesmo obedecida, como não será, os prefeitos correm o risco de serem processados por improbidade administrativa e prevaricação, perdendo os seus direitos políticos. Caso não haja saída, via Congresso ou governo, a alternativa pode ser a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público. Neste caso, teríamos um “devo não nego e pago até o dia tal”. Difícil de acreditar.

Os mesmos prefeitos que devem o fim dos lixões estão devendo os seus Planos de Gerenciamento de Resíduos Sólidos. Um conjunto de regras sobre como recolher, tratar e destinar o lixo. Incluindo os desejados programas de reciclagem. O prazo terminou em agosto do ano passado e, até agora, apenas 18% dos municípios concluíram o trabalho ou estão prestes a terminar. Sem eles, não conseguem obter financia mento público para projetos de gestão de resíduos.

Resumindo: a Política Nacional de Resíduos Sólidos é uma boa lei. Uma das melhores do passado recente. Mas a sua implementação depende ainda de tempo, de uma enorme mudança cultural e de muita vontade política. Não só dos prefeitos e do governo federal, mas dos empresários de diversos setores, dos trabalhadores que vivem do lixo e principalmente dos consumidores. Mas essa é outra história.

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