Casa própria no palanque: candidatos inflam planos habitacionais

Sem-teto. Prédio que abrigou o Othon Palace, na região central de São Paulo, está abrigando 811 famílias: prefeitura estima que existam cem ocupações na cidade – Marcos Alves

 

Faltam 5,8 milhões de moradias no país, mas especialistas ouvidos pelo GLOBO consideram as promessas difíceis de serem cumpridas

Tiago Dantas

SÃO PAULO e FORTALEZA — A falta de moradia adequada para cerca de 5,8 milhões de famílias no Brasil e a pressão exercida por ocupações de terrenos e imóveis em grandes centros urbanos colocaram a habitação no centro do debate eleitoral. Na tentativa de apresentar uma solução para o problema, candidatos à Presidência propõem metas que obrigariam a média histórica de produção de casas populares aumentar até 348%. Urbanistas e pesquisadores ouvidos pelo GLOBO, porém, consideram as promessas difíceis de serem cumpridas e avaliam que a falta de moradia não vai ser resolvida apenas por meio da construção de mais residências.

Entre 1964 e 2002, o governo federal construiu 8,5 milhões de moradias populares, uma média de 223 mil casas entregues por ano. Por meio do programa Minha Casa Minha Vida, a União produziu mais 1,7 milhão de casas entre 2009 e julho deste ano, cerca de 340 mil por ano.

As propostas dos presidenciáveis são mais ousadas. A presidente Dilma Rousseff (PT) fala em construir mais 3 milhões de casas na terceira fase do programa federal de moradia, o que elevaria a média anual para 750 mil casas por ano. O ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, candidato do PSB, prometeu entregar 4 milhões de novas casas no país inteiro. Para cumprir a meta de Campos em quatro anos, seria necessário produzir os imóveis 4,5 vezes mais rápido do que fizeram os nove governos entre 1964 e 2002.

O senador Aécio Neves (PSDB) ainda não apresentou números de novas moradias em seus programa de governo. As diretrizes do plano falam na manutenção e ampliação do Minha Casa Minha Vida e a criação de um Plano Nacional de Habitação, instrumento que existe desde 2009 e prevê metas para zerar o déficit habitacional até 2023.

— A essência dos programas habitacionais de hoje é a mesma do período militar: são baseados no “sonho da casa própria”, com financiamento de longo prazo, custeado por meio do Fundo de Garantia e da poupança. Mas os tempos são outros: a população mais que dobrou desde 1970, o Brasil é muito mais urbano, e as grandes cidades passaram por um processo de favelização — avalia o urbanista Orlando Cariello Filho, autor de tese de doutorado sobre o tema.

Pesquisador do Observatório das Metrópoles e professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur), da UFRJ, Orlando Alves dos Santos Júnior acredita que, além de serem difíceis de serem cumpridas, as promessas dos candidatos à Presidência deveriam levar em conta outros aspectos além da construção de mais casas.

— As políticas públicas para habitação não deveriam ser pensadas só em número de casas, em quantidade de tijolos, mas inseridas numa lógica de produzir cidades mais justas — diz Santos Júnior, para quem uma das soluções é a construção de casas em regime de mutirão.

Como prova de que aumentar o estoque de moradia não resolve o problema, Santos Júnior cita o número de imóveis vazios existentes no país. O Censo de 2010 encontrou cerca de 6,1 milhões de domicílios vagos, que levam em conta os imóveis abandonados e que não tinham uso na época do recenseamento. Só em São Paulo, movimentos de moradia estimam que há mais de 50 prédios abandonados na região central. Um deles, que já abrigou o Othon Palace, está sendo ocupado por 811 famílias desde junho. A prefeitura estima que existam cem ocupações de sem-teto na cidade, liderados por diversos movimentos sociais, como Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Luta por Moradia Digna (LMD) e Frente de Luta por Moradia (FLM).

PROBLEMA CRESCE EM FORTALEZA

Em metrópoles como São Paulo, políticas de aluguel subsidiado em regiões centrais para jovens e migrantes poderiam ajudar a equilibrar o déficit e a dar uso para os imóveis vazios, segundo Andres Blanco, especialista em Desenvolvimento Urbano e Habitação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

— Políticas de aluguel social devem ser pensadas como um complemento a políticas que promovem a propriedade. O aluguel dá mais flexibilidade e permite atender melhor às diversas demandas do mercado de moradia nas cidades — aponta Blanco.

Com um déficit habitacional de 120.100 unidades habitacionais, a Região Metropolitana de Fortaleza é a segunda do país em que o problema mais cresceu em números absolutos em cinco anos. De 2007 a 2012, apresentou uma variação de 10,84% — eram 108.300 habitações, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Fortaleza é a responsável por 68% desta carência, ou seja, 82.390 unidades habitacionais. Em todo o estado, o déficit é de 242 mil moradias.

Quando comparadas as proporções entre déficit e moradias existentes, a Região Metropolitana de Fortaleza possui um índice de 10,5%, ou seja, para cada dez casas, uma apresenta situações precárias. Adensamento, precariedade, coabitação e excedente são características deste déficit. Na capital, pode-se ver claramente estas características nas habitações das 620 favelas existentes.

Para Renato Pequeno, da Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante do Observatório das Metrópoles, a situação de déficit habitacional é fruto de uma política urbana que não conversa com a habitacional.

— A raiz do problema está nesta dissociação. Por outro lado, temos uma cultura que consiste em privilegiar o projeto em detrimento do planejamento. Temos uma produção habitacional em larga escala, mas feita independente da política urbana — explica o professor da UFC.

Em todo o Nordeste, o déficit atinge aproximadamente 1,61 milhão de domicílios, concentrados nos estados de Maranhão (25%), Bahia (22%), Ceará e Pernambuco, ambos com aproximadamente 15% do total da região.

A prefeitura de Fortaleza destina 1% do Orçamento municipal à habitação. De acordo com a assessoria de imprensa do governo municipal, o déficit habitacional da capital vem sendo reduzido à medida que os programas habitacionais vão conseguindo dar conta de uma demanda histórica. E apontou a execução do programa Minha Casa, Minha Vida como um dos exemplos que vêm dando certo e que entra na terceira fase, com perspectiva de trabalhar a moradia além da entrega da unidade habitacional.

Sobre quanto já conseguiu reduzir do déficit, a atual gestão informou que, até janeiro de 2013, a produção do Minha Casa Minha Vida em Fortaleza não ultrapassou as mil unidades habitacionais da faixa 1 (zero a três salários mínimos). Mas, para dar um novo impulso, a prefeitura, articulada com os governos estadual e federal, tem como meta construir pelo menos 30 mil unidades até 2016. Deste total, 23 mil já estão contratadas e as demais, em elaboração.

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