Bolha murcha

Antônio Machado

Depois de o preço médio dos imóveis subir 113% acima da inflação, em São Paulo, e 144% no Rio de Janeiro, entre 2007 a 2013, tornou-se recorrente a questão sobre se o país vive uma bolha imobiliária. O receio remete à grande crise global, iniciada com o estouro da especulação no mercado de hipotecas nos EUA. Mas do que se fala?

Na semana passada, o Banco Central divulgou estudo em que nega tal risco, apesar de o crédito imobiliário ter saltado de 1,3% do PIB em 2006 para 8% em 2013, um grande avanço, mas bem abaixo da medida equivalente no mundo emergente, acima de 15% do PIB, e avançado, de 40% para mais. Parte de seu Relatório de Estabilidade Financeira, o estudo, centrado na segurança bancária, é tranquilizador.

“Não há bolha imobiliária no Brasil, com certeza”, disse o diretor de Fiscalização do BC, Anthero Meirelles, ao apresentar o estudo. “Aqui os preços não sobem sem justificativa econômica. Aqui a gente não tem subprime [alcunha das hipotecas de alto risco nos EUA]. Não tem segunda hipoteca praticamente de nenhuma residência, e mais de 90% dos imóveis são para moradia.” Do ponto de vista da sanidade do crédito imobiliário, de fato, a tendência continua de expansão.

Ainda assim, o conceito de bolha, entendida como sinônimo de alta exorbitante de preço associada à especulação, não se restringe ao mercado de crédito. Ele pode estar no preço em si, como sequela ou de escassez de áreas livres disponíveis para novas construções, tal como o cenário particular do Rio, ou de medidas regulatórias. Ambas as situações são ratificadas pelo crédito, mas não criadas por ele.

Além disso, estouro de bolha é um evento não tão comum em qualquer mercado. Mais frequente é que a especulação passe a murchar, depois de esgotados os fatores que a motivaram. É o que parece em curso no país, conforme o que se observa nos principais mercados, entre a redução cada vez maior da área média dos apartamentos e a diferença entre a renda mínima necessária para um financiamento imobiliário e o preço médio dos imóveis. Os dois vieses dialogam entre si. E, em geral, contra o interesse do comprador. Esse é o cenário à vista.

Quitinetes como mansão

Por muitos anos, por exemplo, os códigos de edificação em cidades como São Paulo e Rio proibiam a construção de prédios residenciais com unidades abaixo de certa metragem, para coibir as experiências de deterioração urbana dos chamados quitinetes. Prédios com muitas unidades pequenas tendem a se degradar, e assim é no mundo.

O modelo dos residences ou flats, que oferecem serviços típicos de hotelaria, contornou tais restrições. O custo de manutenção não os fez uma opção de moradia em larga escala, mas abriu a porta para a legislação ser flexibilizada. Hoje, em São Paulo e no Rio, os prédios com apartamentos de até miúdos 25 metros quadrados (m2) e vários por andar lideram os lançamentos. O preço por m2, contudo, não tem relação com a realidade de mercado. Eles são menores só em valor absoluto, para caber no orçamento do comprador, mas superam o preço equivalente em m2 de imóveis com área até oito vezes maior.

28 m2 por R$ 1,1 milhão

Numa pesquisa da imobiliária Lopes citada pela Exame, encontram-se apartamentos com 36 m2 de área útil, em São Paulo, por R$ 29,8 mil reais/m2, ou R$ 39,3 mil com 28 m2 em Copacabana, no Rio. Comparam-se tais preços com menos de R$ 10 mil o m2 de apartamentos usados, mas renovados, com área útil de 115 a 220 m2. Mesmo habitação nova, com área média de 150/200 m2, custa menos relativamente à metragem. É ai que a disponibilidade do crédito coonesta a especulação. E é assim por quê? Porque, conforme pesquisa do site Canal do Crédito, a renda familiar exigida para financiar um imóvel com 70 m2 de área começa a se descolar dos preços médios de mercado, levando o lobby do setor a arrancar das gestões municipais a desregulamentação do setor. No Rio, já há prédio com unidades de 25 m2 sem garagem.

Desmonte da especulação

Em Brasília, por exemplo, o preço médio de um imóvel de 70 m2, da ordem de R$ 570,2 mil, exige renda familiar de R$ 15,4 mil (tendo como base, segundo nota da Exame, compradores com 30 anos, prazo de 30 anos também, 20% de entrada e financiamento pela Caixa). Em Belo Horizonte, a renda mínima necessária é pouco menor, R$ 10,1 mil, em consonância com o preço médio nas mesmas condições, R$ 375,1 mil.

Está claro que a renda média não encontra mais o preço dos imóveis e as condições dos financiamentos. E o artifício da quitinete, além de prejudicar a qualidade de vida, superou as medidas de bom senso. “Dois anos depois”, disse o professor William Eid Junior, do Centro de Estudos em Finanças da FGV, em artigo na Folha, “não discutimos mais a existência de bolha. Acompanhamos o seu desmonte”. A queda dos lançamentos e o número de imóveis vazios já têm a ver com isso.

8ª maior alta no mundo

Na comparação internacional, segundo o ranking do Global Property Guide, o mercado imobiliário brasileiro continua forte, embora com sinais de desaceleração. Em 2013, o preço médio dos imóveis no país (com São Paulo como referência) teve no quarto trimestre, frente ao mesmo período em 2012, a 8ª maior alta real, +7,59%, vindo abaixo, pela ordem, de Dubai, Estônia, Taiwan, Filipinas, China, EUA e Nova Zelândia. Em 2012, o aumento real fora maior, de 9,38%. E na medida intertrimestre o ritmo de crescimento diminuiu para 1,61%. Noutra métrica, também divulgada nesses dias, apurou-se uma medida instigante: nos últimos 41 anos, segundo o Census Bureau dos EUA, a metragem média das casas subiu 61%, passando de 154 m2 a 248 m2, e o preço médio ajustado ao dólar de 2013 ficou praticamente estável, mesmo com a grande crise das hipotecas, na faixa de R$ 3 mil o m2. Concorrência e produtividade (baixas no Brasil) explicam boa parte.

Origem: Jornal do Commercio, 25/03/2014

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