Aluguel pressiona preços e fecha lojas no Rio

Em um ano, alta do metro quadrado supera em quase dez vezes a inflação e se reflete no custo de vida

Nice de Paula

Direção do Cafeína vai fechar filial no Leblon, que teve aluguel reajustado de R$ 22 mil para R$ 30 mil FOTO: Divulgação

Os valores dos aluguéis de lojas em alguns bairros do Rio subiram quase dez vezes mais do que a inflação e são apontados pelos comerciantes e economistas como um dos grandes responsáveis pela alta dos preços da alimentação fora de casa e pelo fechamento ou mudança de endereço de algumas lojas tradicionais, sobretudo na Zona Sul da cidade. Pesquisa do Secovi-Rio mostra que em janeiro do ano passado o metro quadrado nos bairros do Flamengo e de Botafogo era alugado, em média, por R$ 88,25. No mês passado, o valor já era R$ 141,98, um salto de 60,88%. No Leblon e em Ipanema, esse valor subiu de R$ 128,94 para R$ 163,24, alta de 26,60%. No mesmo período, a inflação oficial do país, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE, foi de 6,49%, os preços das roupas e calçados aumentaram 6,63% e comer na rua ficou 10,87% mais caro.

— O aumento do custo de locação é o principal responsável pelo aumento dos preços do vestuário e da alimentação e esse movimento não vai mudar de uma hora para outra. O Rio de Janeiro está sofrendo a inflação da Copa e depois vai continuar com a inflação das Olimpíadas — diz Daniel Plá, professor de Varejo da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Padaria tradicional fecha

Dono da Armazém do Café, rede que tem cinco de suas sete lojas no Leblon e em Ipanema, Marcos Modiano diz que, além de toda a propaganda em torno do Rio, os preços dos imóveis comerciais foram pressionados pela queda dos juros no ano passado, o que levou proprietários a buscarem no aluguel o ganho que deixaram de ter com as aplicações financeiras.

—Houve uma explosão nos valores dos aluguéis comerciais e a gente está sofrendo muito na hora de renovar os contratos. Eu acabei de negociar um, em que o proprietário entrou com ação para rever o preço, eu respondi e no fim fizemos um acordo para aumentar 50%. Daqui a pouco Ipanema e Leblon só vão ter bancos ou lojas de grandes redes, porque as pequenas e tradicionais não aguentam pagar o aluguel estratosférico que estão pedindo — diz Modiano.

Foi exatamente o que o aconteceu com a confeitaria Martinica, que funcionava na esquina da Rua Visconde de Pirajá com Vinícius de Morais, em Ipanema. A padaria fechou as portas em dezembro e os proprietários colaram na porta do imóvel um cartaz com o seguinte texto: “Prezados clientes, é com muita tristeza que comunicamos que a loja fechará as portas no final de 21/12. Devido aos aumentos do aluguel, a loja não tem condição de suportar esse elevado custo e, por isso, se vê obrigada a tomar essa decisão. Resta-nos agradecer os 17 anos na vossa companhia”. Os proprietários não falam sobre os valores da negociação, mas as informações extraoficiais são de que o aluguel subiria de R$ 20 mil para R$ 80 mil.

Problema parecido está sendo enfrentando pelo Cafeína. A tradicional rede de gastronomia anunciou que pretende fechar a filial do Leblon por causa do valor do aluguel, como antecipou Cleo Guimarães na coluna Gente Boa. A direção da empresa informou não aceitar a proposta de aumento de R$ 22 mil para R$ 30 mil por mês pelo aluguel da loja, que funciona há nove anos na Avenida Ataulfo de Paiva. De forma geral, os contratos de aluguel comercial são firmados pelo prazo de cinco anos e, quando esse período termina, o valor pode ser revisto.

Em entrevista ao colunista George Vidor, publicada na última segunda-feira, o advogado Júlio Monteiro, responsável pela rede Megamatte afirmou que o valor do aluguel do ponto comercial ou a própria valorização do imóvel já está pesando mais no preço final dos produtos do que os gastos com mão de obra e compra de insumos.

Efeito dominó em outros bairros

O vice-presidente do Secovi-Rio, Leonardo Schneider, explica que os preços de locações nas áreas mais nobres da cidade, como Ipanema e Leblon, ficaram tão proibitivos nos últimos anos que fizeram com que muitas empresas buscassem outras alternativas não tão caras, tanto dentro da própria Zona Sul como no Centro. É isso que explica, segundo ele, a recente disparada dos preços no Flamengo e em Botafogo.

Por outro lado, a Barra da Tijuca, que fez muito sucesso há poucos anos, deixou de ser tão atrativa por causa dos problemas de mobilidade da cidade. Lá, chegou a haver queda de 1% nos aluguéis comerciais entre janeiro do ano passado e o mesmo mês deste ano. Da mesma forma, a Tijuca, que passou por um processo recente de valorização intensa com a chegada das UPPs, agora está devolvendo parte dos ganhos e registrou redução de 15% nos valores médios de locação.

— Os preços estão puxados. O valor de R$ 250 o metro quadrado para locação, como cobrado nas áreas mais desejadas, não é qualquer empresa, qualquer negócio que tem rentabilidade para pagar. E não é só o aluguel, tem as luvas que encarecem mais. O momento, porém, é de acomodação de preços, está começando a haver maior oferta, há mais imóveis disponíveis para locação — diz Schneider.

Um relatório divulgado pelo banco Itaú no começo do mês afirma que a rentabilidade dos investimentos em imóveis comerciais do país está com “tendência de aceleração desde o terceiro trimestre de 2012 e atingiu um crescimento de 18,2% em 2013 em relação ao ano anterior”.

NO SEGMENTO CLASSE A, IMÓVEIS VAZIOS JÁ CHEGAM A QUASE 19%

Há um ano, índice era de 12,5%. Mudança está associada a freio na economia e oferta maior

Acompanhando a disparada dos preços e as dificuldades dos empresários para pagar os aluguéis de imóveis comerciais, está crescendo o número de lojas e escritórios vazios. Pesquisa da Cushman&Wakfield, consultoria especializada em mercado imobiliário, mostra que a taxa de vacância de imóveis comerciais no Rio passou de 16% no terceiro trimestre do ano passado para 18,9% no quarto trimestre. Nos últimos três meses de 2012, o percentual era de 12,5%.

Os números se referem a empreendimentos classe A, ou seja, edifícios corporativos modernos, e não incluem, por exemplo, prédios com pequenas salas comerciais. O vice-presidente da consultoria, Marcelo da Costa Santos, diz, porém, que a tendência se repete no mercado em geral. É resultado do aumento da oferta de imóveis no momento em que a economia desacelerou.

— Historicamente, o varejo classe AA é o menos impactado na crise. Então, se está acontecendo isso nesse segmento, com certeza depois da alta da inflação, as classes B, C e D também estão se adaptando à nova realidade do país. Os alimentos subiram de preço, os serviços também. Na média, a população empobreceu, está com um sentimento mais pessimista e isso tem um impacto no varejo — diz.

Expectativa de eventos

O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, também observa um aumento no número de imóveis comerciais desocupados e acredita que seja reflexo da desaceleração econômica.

— A oferta de imóveis comerciais está crescendo, porque as empresas investiram muito e a demanda como um todo caiu. O Rio passou por expectativa de eventos por causa da Copa, todo mundo achando que ia vender muito, mas já está sentido uma freada no setor de óleo e gás.

Marcelo da Costa Santos, da Cushman&Wakfield, discorda que a alta dos aluguéis de imóveis comerciais do Rio seja resultado da simples especulação.

— Os preços estão diretamente relacionados com o valor que o ponto comercial gera para o varejista. Se a loja não for rentável, ela não comporta um preço elevado. Quando há distorções, os proprietários têm que se ajustar, mas se a área se elitizou ela fica mais valorizada. Os lojistas tradicionais vão ter que se reinventar — afirma o executivo.

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