Água em estado crítico

Há grande diferença entre a situação hídrica de paulistas e fluminenses: São Paulo dispõe de alternativas, e o Rio de Janeiro só tem o Paraíba do Sul

MARILENE RAMOS

A gravidade do problema da água levou a ONU a instituir, no calor das discussões ambientais de 1992, uma série de ações de defesa do nosso mais importante recurso natural. O impulso inicial foi promissor, com apoio de lideranças como Mikhail Gorbachev e Bill Clinton, mas, com o passar dos anos, o tema perdeu protagonismo diante de questões como o aquecimento global e a proteção de florestas tropicais. Hoje, 20 anos depois, a curva de escassez e poluição segue crítica, e as iniciativas de proteção das águas avançam a passos lentos.

O último verão, muito seco, trouxe a água para as manchetes no Brasil. Diante do aumento do risco de racionamento de energia em todo o país e de água em São Paulo, fica evidente que os investimentos na recuperação dos rios e proteção dos mananciais são insuficientes, morosos, e as decisões continuam sendo tomadas sem levar em conta a ótica da bacia hidrográfica.

Exemplo disso é o Plano de Recuperação da Bacia do Paraíba do Sul, que em 1998 já apontava demandas de investimentos da ordem de R$ 3 bilhões em 20 anos para despoluir e proteger o rio e seus afluentes. Passados 16 anos, os valores investidos não chegam a 20% do montante.

A disputa que se delineia entre São Paulo e Rio de Janeiro pela água do Rio Paraíba do Sul não é nova. Desde 2009, está em andamento o estudo de alternativas para abastecimento da macrometrópole paulista, contratado pelo governo de São Paulo. O documento aponta dez alternativas viáveis para suprir a demanda de São Paulo, sendo que cinco delas consideram captações no Rio Paraíba do Sul ou em seus afluentes. As demais, não.

Há, portanto, uma grande diferença entre a situação hídrica de paulistas e fluminenses: São Paulo dispõe de alternativas, e o Rio de Janeiro só tem o Paraíba do Sul.

Este rio abastece 11,2 milhões de habitantes, ou 70% da população. Afora os rios afluentes ao Paraíba, os demais rios fluminenses nascem na serra e chegam ao mar rapidamente com pouca vazão. A população do estado se concentra na região costeira, e só a demanda local já esgota rios da vertente atlântica como o Macacu, São João, Macaé e outros. A cidade do Rio de Janeiro e a Baixada não têm alternativa ao Rio Guandu, que tem mais de 90% da sua vazão formada pelas águas transpostas do Paraíba do Sul.

O reconhecimento da criticidade desta dependência hídrica do Rio de Janeiro em relação ao Paraíba gerou um pacto federativo, que vigora desde a década de 70. Instituído inicialmente por decreto, o pacto estabelece a vazão mínima que deve passar pela Represa do Funil, na divisa entre Rio e São Paulo, e as regras operativas do Sistema de Transposição do Paraíba para o Guandu. O Rio de Janeiro não pode aceitar a quebra destas regras.

Desde a década de 70, o Paraíba tem um comitê de bacia. No formato atual, este comitê conta com representantes da União, estados e municípios, dos usuários de água, da academia e da sociedade organizada. É este o fórum adequado para discutir a transposição, em conjunto com a vital discussão da recuperação da bacia e a redução do desperdício das suas águas. Está aí uma excelente hora para tirar o plano da gaveta.

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