L’Oréal vai abrir centro de pesquisa no Rio

Gigante francesa quer usar a diversidade étnica do país como laboratório. Investimentos somam R$ 400 milhões até 2014

Danielle Nogueira

Crioula de olho azul, loura com cabelo bombril, índia com sotaque do Sul. A diversidade étnica brasileira que inspirou os Paralamas do Sucesso no hit “Lourinha Brasil” também é fonte de inspiração no mundo dos negócios. Diante da miscigenação do povo brasileiro, apontada como única no mundo, a gigante francesa de cosméticos L’Oréal quer fazer do país um grande tubo de ensaio para desenvolver e testar novos produtos que poderão ser vendidos não apenas aqui, mas também em outros mercados. Para isso, pretende abrir um novo centro de pesquisa no Rio, o sexto da empresa no mundo, em 2015.

Com investimento estimado em R$ 120 milhões — de um total de R$ 400 milhões a serem aplicados entre 2012 e 2014 —, o centro reforça a importância que o Brasil vem ganhando na estratégia global da empresa. O país, que até julho deste ano era considerado parte da América Latina no planejamento da companhia, foi “desmembrado” e passou a ter status de região independente. Algo que não acontece nem com a China, mantida no Sudeste Asiático na nova geografia de negócios da L’Oréal, que dividiu o planeta em oito regiões. Antes da revisão global, eram cinco áreas.

País tem oito diferentes tipos de cabelo

A mistura de raças no Brasil é tamanha que é possível encontrar no país os oito tipos de cabelo catalogados pela empresa francesa, do mais liso (que representa 18% da população feminina brasileira) ao mais crespo (2%). Esta diversidade, aliada à vaidade da brasileira, faz do Brasil o maior mercado de produtos para cabelo no planeta. Somos também o primeiro em desodorantes, o segundo em unhas e o segundo em cuidados com a pele — incluindo cremes e protetor solar. Com tantas posições de liderança, a indústria de beleza nacional vem se expandindo. Ano passado, movimentou R$ 36 bilhões, fatia que correspondeu a 6,6% do total movimentado pela indústria global.

— Queremos não apenas crescer no Brasil, mas também usar o Brasil como fonte de inovação e inspiração para nós mundialmente. Por isso, decidimos criar esse novo centro de pesquisa — disse Jean-Paul Agon, presidente mundial da L’Oréal, que esteve no Rio há duas semanas.

Meta é dobrar base de clientes em 15 anos

O centro deve ter 160 pesquisadores, dobro do atual número de profissionais que trabalham em pesquisa no país. Hoje, esse grupo atua em um laboratório na fábrica que a L’Oréal mantém no Rio, no Jardim América — a companhia também tem uma fábrica em São Paulo. Entre os produtos desenvolvidos por eles que serão lançados internacionalmente está a série Expert Absolut Control, que usa manteiga de murumuru, fruto típico da Amazônia. São produtos como este que Agon quer ver cada vez mais em vitrines mundo afora.

— Estamos dobrando os investimentos no Brasil até 2014. Dos R$ 400 milhões previstos, metade será para novos projetos e a outra metade para projetos já em andamento. E também estamos expandindo nossa equipe — disse Didier Tisserand, presidente da L’Oréal Brasil.

Nos últimos anos, a L’Oréal também abriu centros de pesquisa em outros países emergentes. China e Índia já têm os seus. Os demais ficam na França, nos Estados Unidos e no Japão. Essa mudança de foco para “os novos mercados” vem na esteira do crescimento econômico dessas nações, que permitiu a ascensão social de uma nova classe média, com enorme disposição para o consumo. E atende à meta da L’Oréal de dobrar para dois bilhões sua base de clientes nos próximos dez a 15 anos.

— É a grande mudança que estamos vivenciando agora, em termos de desenvolvimento econômico. Uma estimativa feita pelo Boston Consulting Group mostra que, em 2010, a classe média era forma por 1 bilhão de pessoas no mundo. Em 2020, serão 2,7 bilhões — afirma Agon.

O executivo acredita que o Brasil deve alcançar o quinto lugar no ranking de principais mercados para a L’Oréal “em breve”, desbancando o Reino Unido. O líder da lista são os Estados Unidos, seguidos por França, China e Alemanha. O Brasil está em sexto, respondendo por 4% do faturamento global da L’Oréal. No primeiro semestre, a receita internacional do grupo foi de € 11,7 bilhões, alta de 5,4% em relação a igual período de 2012. No Brasil, o ritmo de crescimento foi três vezes maior.

GOVERNO DO RIO ARCARÁ COM PARTE DO VALOR DO TERRENO

Liberação da área, na Ilha de Bom Jesus, é prevista para fim de outubro, com cinco meses de atraso

Danielle Nogueira

A rapidez com que o Brasil avança no consumo de produtos e serviços contrasta com a burocracia para abrir novos negócios. O memorando de entendimentos assinado em setembro de 2012 entre L’Oréal e o governo do Estado do Rio previa o início da construção do centro de pesquisa da empresa em maio deste ano e inauguração no fim de 2014. Mas a dificuldade de liberação do terreno, na Ilha de Bom Jesus, ao lado da Ilha do Fundão, quase fez a empresa desistir de tudo, segundo o secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Júlio Bueno.

O centro de pesquisa da L’Oréal ficará no chamado Polo Verde, área contígua ao Parque Tecnológico da UFRJ, onde centros de pesquisa com infraestrutura ecologicamente correta vão se instalar. A L’Oréal foi a segunda empresa a acenar que iria para lá, a primeira foi a General Electric (GE). Os terrenos, hoje de posse do Exército, estão sendo comprados pela Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (Codin) e revendidos para as empresas interessadas.

Além das dificuldades na obtenção das diversas licenças, o Exército exigiu uma reavaliação dos terrenos em junho passado, que elevou os valores dos lotes. A área onde ficará o centro da L’Oréal passou de R$ 17 milhões, numa primeira avaliação, para R$ 21 milhões. A empresa torceu o nariz, e o governo, para viabilizar o negócio, decidiu arcar com a diferença de R$ 4 milhões. Também vai prover toda a infraestrutura comum da ilha.

— O sistema burocrático brasileiro é no business (antinegócio) — diz Bueno.

Solucionadas as pendências, a Codin assinou na última segunda-feira documento por meio do qual o Exército se compromete a liberar o terreno no fim de outubro. A L’Oréal reconheceu que “houve um atraso decorrente da complexidade do projeto, que envolve diversos atores, como autoridades estaduais e Forças Armadas”, mas reafirmou sua intenção de crescer no país.

Aqui, a companhia pode colocar em prática o conhecimento adquirido ao longo de um século de existência. Foi no início do século XX que o jovem químico Eugène Schueller conseguiu com suas pesquisas científicas chegar a uma fórmula de tinta para coloração dos cabelos que não os agredisse. Batizado de Auréole, este conceito foi a primeira tentativa bem-sucedida de desenvolver uma tintura segura. Os produtos da sua empresa, que se chamava Societé Française de Teintures Inoffensives pour Cheveaux, mais tarde L’Oréal, passaram a ser vendidos para os salões de beleza mais sofisticados de Paris. No Brasil, os produtos para cabelo representam 65% das vendas da empresa.

Origem: O Globo, 5/10/2013