Esforço coletivo

Helo Reinert

A discussão sobre quais são as políticas públicas e estratégias para melhorar a mobilidade é ampla e os argumentos nem sempre coincidem. Especialistas que participaram do seminário organizado pelo Valor para pensar “O Futuro das Cidades”, realizado na quinta-feira em São Paulo, apresentaram e defenderam suas ideias para atingir essa meta, com ênfase no transporte de massa.

A melhor opção é o ônibus, o metrô ou o veículo leve sobre trilho (VLT)? Ou seriam os corredores exclusivos para ônibus, também chamados de BRT? A resposta depende tanto dos recursos e do tempo disponíveis para as obras quanto da abordagem que os especialistas dão ao assunto. Mas existe um ponto de consenso: a alocação de recursos públicos deve ser orientada por diretrizes que deem prioridade máxima a outras formas de deslocamento que não sejam o carro.

Em abril de 2015, termina o prazo para prefeituras de cidades com mais de 20 mil habitantes finalizarem o plano de mobilidade urbana. A data é chave porque, a partir daí, quem descumprir a obrigação não poderá obter recursos do governo federal para esse fim. A Lei 12.587, de 2012, estabeleceu diretrizes que podem ser condensadas na ideia de que é preciso motivar os deslocamentos por transporte coletivo. A contrapartida é desmotivar o uso do carro, que cada vez mais assume o papel de vilão.

“Em qualquer lugar do mundo, uma política pública de mobilidade precisa criar vantagens para o transporte público e desvantagens para o carro”, afirma o coordenador da área de mobilidade urbana do Instituto de Energia e Meio Ambiente, Renato Boareto.

Na prática, isso significa mexer no custo relativo entre o automóvel e o ônibus. Existe um conjunto de instrumentos que viabilizam o desenvolvimento de uma política favorável ao transporte de massas. O preço dos estacionamentos é um dos elementos utilizado na inversão desse cálculo. O valor motiva a escolha do modal e por trás da medida está o questionamento sobre a razão de uma área pública ser destinada um bem privado. A definição de zonas de baixa velocidade e fechadas ao carro também influenciam na hora da escolha.

As soluções para a situação caótica do trânsito também passam pelas faixas exclusivas, utilização do bilhete único e a garantia da integração. “A regulação e os recursos financeiros devem ser utilizados para alavancar o transporte público”, diz Boareto.

Definir a fonte dos recursos para mobilidade não é um tema fácil. Qualquer discussão sobre o aumento da carga tributária sofre uma resistência política enorme. Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, sugere que o debate tome novo rumo e seja dirigido à definição de quem deve ser onerado.

Especialistas concordam que o transporte público, ainda que receba subsídios, é pesadamente financiado pelo usuário. Mas a mobilidade não pode ser um problema restrito à lógica da relação entre fornecedor e cliente (empresas de ônibus e passageiro) porque afeta toda a sociedade. “Como todos se beneficiam do transporte público, todos devem pagar”, diz Carvalho. “O contexto atual permite a discussão sobre a necessidade de cada um dar a sua cota”. Só assim, acredita, seria possível inverter a lógica que dá preferência ao carro. “Sem vantagens competitivas para o transporte público as pessoas não deixarão o automóvel em casa.”

Ciro Biderman, chefe de gabinete da Secretaria de Transportes de São Paulo, adverte que o transporte tem que ser trabalhado em conjunto com o uso do solo. “O plano diretor tem de oferecer isso, mas é algo que demora”, diz.

A diretora de planejamento da SPTrans, Ana Odila, explica que se caminha nessa direção. Segundo ela, 50 anos de políticas de incentivo ao carro levaram à situação atual de congestionamento. Somadas à democratização da posse do automóvel, elas contribuíram para que o carro deixasse de ser uma saída para a mobilidade.

A política da SPTrans pretende incentivar a convivência de todos os modos de transporte numa ordem inversa à existente, reconhecendo as necessidades dos pedestres, das bicicletas e dos ônibus. Para os pedestres, mais calçadas e tempo para a travessia nos semáforos localizados nas grandes avenidas. No caso das bicicletas, a meta é tornar disponíveis 400 km de ciclovias e integração ao sistema de transporte. O plano de valorização do ônibus se fundamenta em três pilares: 1) reservar espaço exclusivo de vias em 1.200 dos 4.500 km nos quais os ônibus circulam; 2) organizar uma rede de transporte com a simplificação do serviço, locais de conexão e frequência; e 3) a realização de uma “operação controlada’ nos moldes do Metrô.

“Hoje o ônibus é encarado como um transporte de segundo time. Quando se fala em transporte coletivo o que vem à cabeça é o Metrô”, diz Odila. Ela reconhece a importância do Metrô e defende que contar com rede ampla é uma necessidade que também pode ser estendida ao monotrilho e aos BRTs.

Para André Jacobsen, membro da Associação Latino-Americana de Sistemas Integrados, BRT-SIBRT, é preciso mostrar que o ônibus pode ter qualidade, conforto e confiabilidade e que esses não são atributos exclusivos do metrô. “A qualidade do planejamento de alto nível e do detalhe, do controle operacional e da informação ao usuário podem ser levados, sim, ao ônibus”, diz.

A bicicleta já é considerada uma alternativa viável para viagens curtas. A iniciativa privada tem desenvolvido projetos em diversas cidades do Brasil. Entre seus programas, o Itaú incluiu a mobilidade urbana como uma causa a ser defendida. No começo houve resistência dentro da instituição em razão da possibilidade de ocorrer acidentes e da dúvida se um sistema que funciona em outras partes do mundo poderia dar resultados no Brasil.

O Itaú conversou com cicloativistas e outros públicos de interesse e decidiu levar a proposta adiante. O programa estreou no Rio, em 2011, e soma mais de 3 milhões de viagens. O projeto avançou para São Paulo, Pernambuco, Salvador e Porto Alegre. Na próxima semana será inaugurado em Brasília e posteriormente em Belo Horizonte. Hoje soma 400 estações e 4 mil bicicletas, números que serão duplicados até novembro. “Estamos engajados nessa causa e não somente na visibilidade que ela nos dá”, afirma Cícero Marcus de Araújo, diretor de relações institucionais e governos do Itaú.

Origem: Valor Econômico, 26/05/2014

Deixe um comentário