Rio: projetos do Porto Maravilha tentam repetir modelos bem-sucedidos

Tom Cardoso (espeiclal), Valor Econômico

 

Há um consenso entre os especialistas de que o Porto Maravilha, programa de revitalização da zona portuária do Rio, reúne todas as condições estruturais e econômicas, além de tempo, para repetir os modelos de sucesso de projetos similares pelo mundo – como, por exemplo, o Port Vell, em Barcelona, que, assim como o Rio, também se beneficiou do fato de ser a sede dos Jogos Olímpicos (em 1992) para dar impulso às obras.

Os Jogos Olímpicos estão marcados para 2016 e o governo do Rio espera até lá já começar a dar uma cara para o Porto Maravilha, entregando, em parceria com a iniciativa privada, as primeiras torres de escritórios corporativos. Basta saber que modelo de revitalização será esse. Se ele será parecido com a maioria dos projetos de revitalização portuária dos anos 80 e 90 – com exceção de Barcelona – em que a prioridade era transformar as respectivas regiões recuperadas em grandes parques turísticos, com foco no mercado corporativo, ou se ele seguirá os modelos mais recentes, como o caso do Mission Bay, o novo bairro da região portuária de São Francisco, na Califórnia (EUA), que tem, como princípio básico, ocupar a região com moradias e universidades – e não apenas durante uma parte do dia -, estabelecendo, portanto, um elo efetivo entre a região e o resto da cidade.

Para o arquiteto e urbanista Carlos Leite, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, os projetos anunciados no Porto Maravilha já dão uma ideia do que está por vir. Para Leite, o ritmo em que são anunciados novos empreendimentos corporativos indica que o projeto de revitalização da zona portuária do Rio corre o risco de repetir antigos erros comuns em projetos com a mesma características, que permitiram que a iniciativa privada determinasse o ritmo de ocupação.

“Sim, o Rio tem uma enorme carência de escritórios corporativos de boa qualidade e, além disso, o retorno nesse tipo de investimento costuma ser mais alto do que o setor de moradia. Mas isso não significa que temos que transformar o Porto Maravilha numa área com um monte de prédios de escritórios, cercados de alguns museus e outras atrações turísticas. É muito pouco diante do potencial do projeto, que pode ter, por sua concepção e espaço, múltiplos enfoques”, afirma Leite.

O professor do Mackenzie cita o exemplo do Puerto Madero, em Buenos Aires, considerado um projeto de revitalização portuária bem-sucedido, mas, segundo ele, somente do ponto de vista do mercado. “Aquela região virou o metro quadrado mais valorizado da Argentina, tem uma série de intervenções interessantes por lá, como a Puente de La Mujer (Ponte das Mulheres), projetada pelo Santiago Calatrava, o mesmo arquiteto responsável pelo Museu do Amanhã, mas não houve a preocupação de levar gente para morar lá”, afirma Leite. “O Porto Maravilha tem, por suas características, pela infraestrutura que já possui na região, obrigação de ser mais abrangente, de oferecer, principalmente, uma ocupação urbana mais variada e democrática.”

Doutor em planejamento de transporte e logística e coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende também afirma que o Porto Maravilha perde uma oportunidade histórica de estabelecer uma integração inédita entre o centro do Rio e o resto da cidade caso o programa fique restrito apenas ao turismo e ao mercado corporativo.

Para ele, a vocação turística deve ser mesmo a prioridade. “O Rio é como Hamburgo e Barcelona, tem um apelo turístico inquestionável, e o desenvolvimento de sua zona portuária fará com que a cidade entre, enfim, na rota dos grandes navios”, afirma Resende. “Mas, ficar apenas restrito a isso é um desperdício, já que o Rio é muito mais do que o seu centro da cidade. Quando você chega a Barcelona, você consegue visitar, de trem, a Europa inteira”, diz Resende.

Autor do livro Cidades Sustentáveis, Cidades Inteligentes (Editora Brookman, 2012), Carlos Leite dedica um capítulo inteiro da obra para falar do projeto de revitalização do bairro portuário Mission Bay, em São Francisco, Califórnia (EUA), iniciado há 13 anos, e que, para ele, é o que mais se aproxima de um modelo sustentável e moderno de revitalização urbana.

Ali, explica Leite, “a grande mola propulsora de regeneração urbana e reestruturação produtiva é o centro de pesquisa em biotecnologia da Universidade da Califórnia, com 170 mil m² de laboratórios e centros de pesquisa”. “Essa ocupação inteligente, criativa do espaço, está sendo discutida ali mesmo e é o que tem determinado o sucesso do Mission Bay como exemplo de planejamento urbano a ser seguido”. No caso do Porto Maravilha, insiste Leite, o primeiro passo seria a criação de um novo Plano Diretor para a região portuária. “O que está sendo seguido discute todas as questões de forma muito superficial, sem profundidade”, afirma o urbanista.

 

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