RDC, por si só, não resolve os problemas em obras

“Preocupa o açodamento para se aprovar tal regime sem mais reflexões e avaliações. O sonho de se pagar um ‘preço fechado’ pela obra pública licitada não se materializa apenas com o regime”.

Márcia Buccolo

O Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) poderá ser aplicado a todas as licitações e contratos públicos da União, Estados, Distrito Federal e municípios. É o que diz o texto da Medida Provisória 630/13.

O texto da MP aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 9 de abril, contém as alterações propostas no relatório da senadora Gleisi Hoffmann.

Na última votação (9/4), o plenário rejeitou, por 204 votos a 137, o destaque que pretendia excluir as mudanças feitas pela Medida Provisória 630/13 na Lei 12.462/11. Com essa votação encerrou-se a análise dos destaques, devendo a matéria seguir para aprovação do Senado.

O sonho de se pagar um “preço fechado” pela obra pública licitada não se materializa apenas com o regime

Este regime prevê prazos mais curtos e procedimentos simplificados para a contratação de obras e serviços de engenharia pela administração pública. Ficará a cargo da autoridade administrativa a escolha de aplicação do RDC, das regras da Lei de Licitações e Contratos (Lei 8.666/93) ou do pregão eletrônico (Lei 10.520/02). Pelo texto aprovado, para a formalização do contrato de obra e serviço de engenharia poderá ser exigido, pela Administração, a prestação de um seguro-garantia de 10% do valor da contratação (para as contratações não envolvam alta complexidade técnica, riscos financeiros ou se a apólice inviabilizar a licitação) a 30 % do valor da contratação (garantia obrigatória, no caso de obras com valores acima de R$ 100 milhões). Essa garantia será utilizada nos casos de não cumprimento dos cronogramas e prazos estabelecidos no contrato, bem como de extrapolação dos custos previstos.

Em caso de uso desse seguro, o empenho dos créditos orçamentários poderá ser feito diretamente à empresa seguradora, que assumirá direitos e obrigações da empresa contratada. Para tanto, pode contratar com terceiros a execução da obra paralisada, desde que haja anuência da administração. Essa alteração introduzida pela relatora funda-se no fato de que, no primeiro relatório apresentado, não havia percentual mínimo para o seguro. Quanto a tal seguro, a Lei 8.666/93, em vigor, que disciplina as contratações públicas, prevê a possibilidade de exigência de seguro-garantia, no valor máximo de 5% da quantia da contratação, que pode chegar a 10% para casos específicos, que envolvam obras de grande valor, complexidade e riscos financeiros.

Não obstante os méritos verificados com a aplicação do RDC, nos casos específicos, causa preocupação o açodamento indisfarçado de se ter aprovado tal regime para aplicação às contratações de obras públicas de forma tão ampla e irrestrita, sem mais reflexões e avaliações técnicas e jurídicas.

Não há justificativa para uma ação improvisada. Na ânsia de resolver o problema crônico de falta de planejamento e de eficiência da administração pública em geral, transferiu-se, de olhos fechados, a responsabilidade para a iniciativa privada. É engano pensar que o RDC, por si só, irá resolver os problemas decorrentes da falta de agilidade, qualidade e eficiência em inúmeras obras públicas. A maior reclamação da população, cada vez mais informada e articulada, está focada no desperdício de recursos públicos, na eleição equivocada das prioridades públicas e na má qualidade da prestação dos serviços e obras a ela entregues e disponibilizados.

Outro ponto de preocupação, no projeto que segue, agora, para aprovação do Senado, reside na previsão de que o valor estimado da contratação integrada será calculado com base em valores praticados pelo mercado, pagos pelo governo em licitações anteriores ou na avaliação do custo global da obra, examinada por orçamento sintético ou por estimativa.

Além disso, a vencedora da licitação, a futura contratada, no regime de contratação integrada, está dispensada da apresentação de planilhas com indicação dos quantitativos e dos custos unitários e do detalhamento das Bonificações e Despesas Indiretas (BDI) e dos Encargos Sociais (ES), que compuseram a proposta vencedora do certame. A apressada justificativa para tanto poderia ser que tal regime de contratação, na forma proposta, não admite a formalização de termos aditivos. Contudo, essa regra impeditiva, vem acompanhada de duas exceções. A primeira reside na hipótese de ser necessária a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou de força maior. A segunda no caso de necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da Administração Pública, desde que não decorrentes de erros ou omissões por parte do contratado (observados, neste caso, os limites estabelecidos no §1°, do art. 65, da Lei n° 8.666/93.

Não há como negar a necessidade de se imprimir maior velocidade à execução e conclusão de determinada obra pública. Contudo, esse resultado só será alcançado se tal obra pública tiver sido criteriosamente planejada. O fato é que o sonho dourado de se pagar um preço certo, um “preço fechado” pela obra pública licitada e contratada, não se materializa apenas com a implantação do RDC. Os méritos do RDC, quando bem utilizado e para casos específicos, devem ser reconhecidos. Mas, não se pode nem se deve eleger esse regime de contratação como a cura divina de todos os males decorrentes da letargia e ineficiência da máquina administrativa.

Márcia Heloisa Pereira da Silva Buccolo é sócia do escritório Edgard Leite Advogados.

Origem: Valor Econômico, 24/04/2014

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