Planejar é indispensável

Francis Bogossian

Presidente do Clube de Engenharia, Presidente da Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro (Aeerj) e Vice-Presidente Executivo da Academia Nacional de Engenharia.

Planejamento é uma das principais carências da administração pública brasileira. Projetos de infraestrutura são quase sempre de longo prazo e raramente elaborados

com a devida antecedência. O governante nunca quer dar continuidade aos projetos de seu antecessor, pois quer investir apenas naquilo que levará a sua rubrica como realizador. Os mandatos no poder executivo são de quatro anos, mas na realidade as ações se concentram em três anos. Os primeiros seis meses são dedicados a entender o que receberam do antecessor e, no último semestre do mandato, as eleições paralisam a máquina.

É de se ressaltar que, no Brasil, os governos nem sempre cumprem todas as etapas de um projeto de engenharia, até porque querem inaugurar as obras antes do final do mandato. Da mesma forma que as cidades contam com um plano diretor, deveria também ser compulsória a elaboração de planos estratégicos, seguindo o modelo das grandes corporações. Os planos estratégicos sofrem alterações, de acordo com aspectos conjunturais e econômicos ao longo da sua duração, mas, de alguma forma, mantêm uma continuidade na sequência das ações planejadas.

A partir de planejamentos estratégicos, poderiam ser elaborados os estudos e projetos prioritários para as cidades, principalmente nos setores de infraestrutura, onde o horizonte é sempre de longo prazo, e, assim, viabilizar recursos, sem a necessidade de improvisos. Os investimentos são altos, a vida útil dos empreendimentos é longa e o dinheiro vem do contribuinte, é bom não esquecer.

E o improviso é uma irresponsabilidade, o que de pior pode acontecer neste segmento. Não deveria haver desculpas esfarrapadas para a falta de estudos e projetos, porque este custo corresponde a no máximo 10% do valor das obras.

A concepção e os estudos de viabilidade de um projeto são insuficientes para licitar uma obra, mas são indispensáveis para iniciar o processo. Diversos estudos, inclusive os de impactos ambientais, às vezes demorados, também devem fazer parte da fase de um projeto básico. É comum se ouvir que as obras públicas são sempre superfaturadas, de baixa qualidade, não obedecem a prazos, etc. Mas a primeira pergunta que deve se fazer é se antes da obra ser licitada foram cumpridas todas as etapas básicas de qualquer projeto de engenharia.

Muitas vezes, na pressa, isto não acontece e as obras são licitadas sem um projeto suficientemente detalhado. Há levantamentos que são determinantes para se orçar  corretamente uma obra. Ocorre que, como isso demanda tempo e não há a cultura do planejamento da administração pública, muitas vezes os governantes atropelam o  processo com o objetivo de acelerar a execução da obra. O resultado, no entanto, nem sempre é satisfatório. Após o início dos trabalhos, começam os problemas causados pelas falhas de projeto e os custos saem do controle.

Quanto maior e mais sofisticada for a obra, maior a necessidade de um projeto detalhado para oferecer transparência ao processo licitatório e melhor entendimento jurídico, garantindo o cumprimento de prazos e preços. Os governos não podem abdicar de contar com uma equipe, mínima que seja, de engenheiros dedicados a esta fase de elaboração dos estudos e projetos. Se o projeto executivo ficar a cargo da construtora, precisa partir de um projeto básico bem elaborado, com todas as etapas cumpridas, capaz de gerar orçamento e cronograma confiáveis.

Outro ponto, sempre esquecido pelos administradores públicos, reside nos serviços de manutenção. Uma obra de engenharia não pode prescindir de conservação. Este  deveria ser também um item obrigatório nas despesas dos governos, seja federal, estadual ou municipal. A vida útil de uma construção está diretamente ligada a um sistema rotineiro de manutenção preventiva e corretiva. Isto não é novidade, faz parte conceitual da engenharia civil e está consolidada através de normas técnicas nacionais e internacionais, manuais e práticas consagradas. Sempre, após cada desastre por falhas de manutenção, o assunto volta à pauta. Novas leis são criadas, exigências são impostas, mas com o tempo o evento cai no esquecimento, até uma nova tragédia.

É necessária uma mudança de mentalidade da administração pública para que evolua a maneira de se construir no país.

Origem: Jornal do Commercio, 10/10/2013