Paixão paulista pelo Rio

Projetar no Rio exige o entendimento do que é esta cidade, e de que tudo que você fizer ali dentro tem que levar em consideração o que ela tem de mais bonito, que é ela própria.

Como paulista apaixonado pelo Rio, sempre fui um defensor da cidade, mesmo no momento em que o próprio carioca estava muito crítico em relação a ela, nos anos 1980. Em paralelo a um esvaziamento econômico, houve uma baixa da autoestima do carioca. Naquele período, em qualquer conversa, por mais paulista que eu fosse, era defensor da cidade. A gestalt, que é a teoria da percepção, diz, entre outras coisas: “Muitas vezes você não sabe o porquê, a razão de o espaço ser tão profundamente especial”. O Rio conta com uma gestalt forte.

O Rio teve uma posição proeminente na historia da arquitetura brasileira desde sempre. Desde a época colonial, passando pelo período imperial, e na arquitetura moderna, o berço foi o Rio. Se você pensar qual é o centro de cidade mais completo que existe, é o do Rio. Por causa da vinda da Família Real portuguesa e por ter sido a capital do país, todos esses edifícios institucionais relevantes estão aqui e no seu entorno tudo acontece: o Paço imperial, o Museu Nacional de Belas Artes, o Museu Histórico Nacional e a Biblioteca Nacional. Por outro lado, o Rio tem uma característica curiosa. Olhando de fora, eu acho que a cidade tem uma elegância, e o carioca, um charme que ele não percebe. Isso não é falar da sensualidade, da beleza e da maneira com que ele se relaciona com a cidade; está no seu DNA essa natureza.

O carioca tem uma energia diferenciada. Você vai a qualquer lugar do mundo, você conhece imediatamente o carioca, que vive uma situação tão privilegiada do ponto de vista da natureza, que ele nunca é deslumbrado. O Sting falava depois de ter vindo pela terceira vez: “Agora chego aos lugares e ninguém fala mais comigo”. Então, essa postura blasé do carioca acabou sendo decorrência de todo esse conjunto de atributos que a cidade tem, e que são raros em qualquer metrópole do mundo. Projetar no Rio exige o entendimento do que é esta cidade, e de que tudo que você fizer ali dentro tem que levar em consideração o que ela tem de mais bonito, que é ela própria.

No mundo hoje, onde as cidades são tão ou mais fortes que os países, o Rio tem um espaço privilegiado para ocupar. Então, a cidade tem que ser a referência não só pela moda, pela cultura; precisa ser referência de metrópole com uma visão de futuro compromissada, evoluindo o seu processo de desenvolvimento urbano sustentável em que privilegie o que tem de excepcional. E corrija aquilo que foi feito de errado, incluindo questões de urbanização e de agressões à natureza, que sofreu precisa ser reconstituída. E deve integrar as zonas Norte, Sul, Oeste e os morros ao tecido urbano de maneira qualitativa, com mobilidade e sustentabilidade.

Hoje, um dos desafios do Rio é conjugar essas características do carioca a um cenário de globalização inexorável. Isso demanda profissionalismo em todos os sentidos. E exige uma administração pública que continue compromissada com a cidade, uma política de segurança que evolua — isso é diferencial fundamental. É um desafio não deixar que se perca essa onda favorável, que decorreu da conjunção política e de uma série de questões e que se consolida com os grandes eventos. Não podemos desperdiçar esse ciclo virtuoso em que o Rio entrou novamente.

Vicente Giffoni é presidente da Associação dos Escritórios de Arquitetura-RJ

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