RAPHAELA RIBAS
RIO — Já pensou em fritar um ovo na calçada de um centro comercial? Parece surreal, mas os reflexos do sol num edifício todo espelhado e com formato côncavo em Londres têm sido tão fortes que isso é possível. O 20 Fenchurch Street, conhecido por Walkie Talkie, está sendo acusado de ser o responsável pelo derretimento de painéis e espelhos retrovisores de carros estacionados em suas adjacências. Mas será que isso poderia ocorrer nos centros empresariais do Rio, como a Avenida Rio Branco ou o Porto Maravilha, já que a temperatura da cidade é muito mais alta que a de Londres?
Veja Predio espelhado em Londres acusado de derreter carros
Arquitetos dizem que tecnicamente seria possível, entretanto, afirmam que isso não vai acontecer em nenhum ponto da cidade, pois a causa do efeito (ou melhor, do estrago) em Londres é que, além de um alto nível de espelhamento, o edifício é côncavo tanto na horizontal como na vertical, formando um ponto de concentração dos raios solares. E este design não existe no Rio.
— Isso não aconteceria no Rio, porque não há prédios como aquele, nem com nível de espelhamento tão alto, nem em formato côncavo. A concavidade na horizontal e na vertical faz com que o prédio funcione como uma lente, concentrando os raios solares numa só direção — explica o arquiteto Vicente Giffoni, presidente da Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura (AsBEA).
Henock de Almeida, arquiteto e diretor geral da AC Arquitetura e Consultoria, explica que todos os prédios, retos ou côncavos, refletem os raios solares e, assim, são realizados diversos estudos de insolação, criando, assim, previsões dos efeitos da luz sobre as edificações.
— O que aconteceu com este prédio, especificamente, é que, como ele é côncavo dos dois lados, acaba funcionando como uma antena parabólica e toda luz que o atinge vai para um único ponto. Nos prédios retos, o reflexo fica disperso e pode até incomodar um pouco, porém, não chega a uma intensidade capaz de derreter algo.
O arquiteto Ruy Rezende defende que este tenha sido um ponto fora da curva. Apesar de ter tido problema semelhante na criação do Vdara Hotel, em Las Vegas, o responsável pelo edifício de 37 andares e 200 metros de altura é Rafael Viñoly, um renomado arquiteto experiente, com várias premiações.
— Aparentemente, este incidente acontece por um período de dois ou três dias por ano, devido ao ângulo de incidência solar em sua forma côncava. Devemos ter aqui o percentual fora dos estudos que possibilitou este efeito. Acredito que hoje já estejam debruçados sobre a questão, buscando uma solução para a mesma.
E estão mesmo. Depois das reclamações e prejuízos, as incorporadoras do projeto, Land Securities e Canary Wharf, colocaram proteção ao redor do edifício e afirmaram que estão investigando a situação, conforme o Daily Mail.
Um dos locais que deve receber muitos projetos espelhados no Rio de Janeiro nos próximos anos é o Porto Maravilha. Mas o diretor-presidente Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp) Alberto Silva afirma que não há risco de este tipo de situação que aconteceu em Londres se repetir na área portuária. Segundo ele, não há prédios em formato côncavo e há uma determinação de que todos os edifícios tenham lojas embaixo, o que impede que os reflexos da fachada do prédio recaiam diretamente sobre as calçadas.
— No caso do porto, não vejo nenhuma possibilidade de um incidente como o de Londres. O sol vai incidir sobre o prédio, mas não vai refletir na calçada, porque a fachada não está no nível do chão. E também haverá arborização ao redor, o que diminui o impacto da geração de calor — explica Silva, que pontua ainda que os prédios não são “espelhados”, mas sim com uma pele de vidro, cuja função é melhorar o aquecimento dentro dos prédios, assim como a iluminação.
Divergência sobre o uso de vidros espelhados
O diretor da Cdurp acredita que os prédios com a pele de vidro de efeito espelhado são tendência, não apenas no Rio, como no mundo inteiro, e podem contribuir na para melhorar a iluminação, reduzindo-se o consumo de energia. Alguns arquitetos, no entanto, defendem que é preciso limitar o uso.
Henock acredita que os prédios acabam ficando muito parecidos. Para ele, em países frios, o uso do vidro tem a função de aquecer, o que não seria o caso do Rio.
— Acho um erro fazer este tipo de vidro indiscriminadamente, principalmente aqui na cidade, do ponto de vista da energia e da questão estética.